“Eu pensava que, se eu apenas jogasse o jogo, não seria mais só essa imigrante do Brasil, e teria algo a esperar do futuro.” Esta frase é de Marina Lacerda, uma brasileira de 37 anos que, na semana passada, contou como foi vítima dos abusos sexuais de Jeffrey Epstein, quando tinha 14 anos e uma amiga lhe disse que podia ganhar 300 dólares se desse uma massagem “num cara mais velho”.
Este é o tipo de frase em que se pega tão facilmente para apontar à vítima. Quem a mandou? Quem brinca com o fogo queima-se. Com 14 anos, já sabia bem no que se estava a meter… Algo que a tirasse da miséria, dos três empregos em que se dividia para ajudar a sustentar a família, acreditando que, depois da massagem, o milionário lhe oferecia um emprego bem pago que a tirasse, a ela, à irmã e à mãe, de um quarto dividido pelas três no bairro de Queens, em Nova Iorque.
Marina sofreu abusos sexuais até aos 17 anos, altura em que, segundo contou, Epstein se livrou dela porque já estava demasiado velha. São abusos sexuais, sim, estamos a falar de uma menor de idade. Ela era uma adolescente em luta pela sobrevivência e ele era um milionário que abusava e violava meninas. Qual é a dúvida aqui?
Para onde pende a balança neste jogo do poder? São tantas as perguntas neste processo de Jeffrey Epstein, que foi encontrado morto, a 10 de agosto de 2019, na sua cela do Centro Correcional Metropolitano, em Nova Iorque, sob circunstâncias estranhíssimas, tudo apontando para suicídio.
As vítimas continuam à espera de justiça e ameaçam divulgar a lista de amigos e cúmplices do milionário, porventura na tentativa de acossar Donald Trump, também ele no centro do furacão por causa das suas ligações perigosas a Epstein, amizade, convívios e festas.
Se tudo realmente um dia for tornado público, se a verdade vier à tona, talvez se aprenda muito sobre estes homens de grande poder, que agem como se nada pudesse afetá-los, como se fossem impunes a tudo. E porque não seriam? Uma investigação do New York Times vem agora revelar que o grande banco norte-americano, o J.P. Morgan, foi cúmplice, durante anos a fio, de transações suspeitas de Jeffrey Epstein, sabendo-as duvidosas, processando cerca de mil milhões de dólares nessas transações, incluindo os muitos pagamentos que foi fazendo às suas vítimas, por acordos.
Além de ser um cliente muito lucrativo, escreve o New York Times, Epstein (e a sua companheira, Ghislaine Maxwell) mantinha relações próximas com um executivo do J.P. Morgan, Jes Staley, que, a certa altura, terá tido relações sexuais com uma das alegadas vítimas de Epstein. “Embora o J.P. Morgan negue responsabilidades nos crimes de Jeffrey Epstein, a nossa investigação descobriu que o banco desempenhou um papel importante, facilitando as suas operações de tráfico sexual e encobrindo a sua reputação, muito após ele já estar registado como um predador sexual”, escreve o jornal, que consultou 13 mil páginas de relatórios internos do banco.
Homens ultrapoderosos contra miúdas adolescentes à espera de uma oportunidade de sobreviver na selva de Nova Iorque. Claro que vamos apontar o dedo às raparigas que se meteram na boca do lobo. É tão mais fácil do que perceber o que está aqui em causa!
Mesmo que a realidade nos entre pelos olhos adentro. E vai entrar. O comité do Congresso norte-americano para esta investigação tem estado a divulgar as mais de 33 mil páginas de documentos pessoais de Jeffrey Epstein. Uma caixa de Pandora?