A história explica-se bem como se o interlocutor fosse uma criança de 4 ou 5 anos: o Presidente do país mais importante do mundo e o homem mais rico do mundo – que financiou a campanha e ajudou o Presidente a ser eleito – eram muito amigos, mas entretanto zangaram-se. Apoiavam-se mutuamente e agora ameaçam destruir-se. Ninguém sabe qual deles sairá vitorioso desta disputa, embora se suspeite de que o homem mais rico do mundo precisa mais do Presidente do que o Presidente precisa do homem mais rico mundo. As desavenças entre ambos aconteceram nos últimos dias e decorreram à vista de todos, em público. Na troca de acusações, cada um desses homens – qual deles o mais cheio de si próprio – usou a sua rede social, uma espécie do seu brinquedo predileto.
A recente zanga entre Donald Trump e Elon Musk tem muito de emotivo, mas a nossa obrigação jornalística é explicá-la e, nesse sentido, torná-la um pouco mais racional. O que podemos dizer é que a razão principal que esteve por detrás do fim da relação foi o projeto de orçamento dos EUA que dá pelo nome esdrúxulo “Grande e Bela Proposta” (a Big Beautiful Bill). Aprovado pela câmara baixa do Congresso, o diploma segue agora para o Senado. Para Musk, a despesa em causa põe em risco os cortes levados a cabo nos últimos meses pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla inglesa). Crê-se que aumentará a dívida em 2,4 triliões de dólares na próxima década.
Na troca de acusações, as palavras usadas por Musk e Trump foram um tanto ou quanto desajustadas, tendo em conta que ambos ocupam posições importantes. Musk disse que a proposta orçamental era “uma abominação repugnante”. Trump confessou-se “muito desiludido”: “O Elon e eu tínhamos uma grande relação. Não sei se vamos continuar a ter.” Em contrapartida, Musk chamou “ingrato” a Trump e cobrou-lhe a vitória nas eleições. Os galhardetes envolveram insultos, na Trust Social (de Donald Trump) e no X, antigo Twitter (de Elon Musk). O Presidente também ameaçou cancelar “todos os contratos e subsídios governamentais do Elon”. (“Sempre me surpreendeu que Biden não o tenha feito!”) Só no ano de 2024, foram atribuídos contratos públicos às empresas de Musk, sobretudo à SpaceX, no valor de três mil milhões de dólares.
Depois de abandonar a liderança do DOGE, Elon Musk, por sua vez, não só apelou à destituição de Trump como o envolveu no escândalo sexual de Jeffrey Epstein. “Está na hora de lançar a grande bomba: [Trump] está nos arquivos de Epstein”, escreveu o empresário no X, na quinta-feira, 5, numa publicação que depois apagou. No meio do disparate, Trump chegou a falar em deportar Musk, nascido na África do Sul, mas, no dia seguinte, as hostes já pareciam estar mais calmas. Trump replicou: “Só lhe desejo sorte.”
Estava escrito nas estrelas e, se não fosse trágico (e perigoso), até poderia ter graça de tal maneira o espetáculo parece uma briga de irmãos desavindos. Quando Trump ameaçou que rasgaria todos os contratos com empresas de Musk, o multimilionário retaliou: anunciou que, sendo assim, iria retirar o único veículo espacial norte-americano que é capaz de transportar astronautas para a Estação Espacial Internacional. “Na sequência da declaração do Presidente sobre o cancelamento dos meus contratos com o governo, a SpaceX começará por desmantelar o veículo espacial Dragon imediatamente”, afirmou Musk.
The show must go on e, por isso, aguardam-se as cenas dos próximos capítulos para breve. Mas é possível, desde já, concluir que o episódio é a prova provada de que são sobretudo os motivos de ordem pessoal que orientam a ação de Trump e de Musk. Isto para não entrar em avaliações morais e falar da postura e, digamos, da falta de decoro – que, como se sabe, está completamente fora de moda.
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