1. O sufrágio de 18 de maio próximo ocorrerá exatamente 50 anos e 23 dias após as primeiras eleições livres, por sufrágio universal, da História de Portugal. Essas eleições, a 25 de Abril de 1975, para a Assembleia Constituinte, representaram uma espécie de primeira institucionalização da liberdade conquistada um ano antes, com a Revolução de 1974, graças ao Movimento das Forças Armadas (MFA) e em rigoroso respeito pelo seu programa. Com essas eleições à “legitimidade revolucionária” veio juntar-se a “legitimidade democrática”, que teve a sua institucionalização definitiva com a aprovação da Constituição da República a 2 de abril de 1976.
Quem viveu esse período, por vezes (por revolucionário) natural e inevitavelmente conturbado, mas sempre apaixonante, deslumbrante, não pode esquecê-lo. Nem pode esquecer o clima de verdadeira festa, um povo, após meio século de ditadura, a sentir-se livre e dono do seu destino, nesse 25 de Abril de 1975. Obviamente isso é irrepetível. Mas não pode deixar de ser triste, e impõe reflexão, ver como hoje, e nestas eleições, parece haver um clima e um sentimento tão no avesso dos de há meio século. Provavelmente idem com a percentagem de votantes – e para cúmulo confrontados com uns miseráveis cartazes que, sob a capa da propaganda eleitoral, vilipendiam o 25 de Abril, identificando-o com a “corrupção”.
2. Volto às eleições de 1975 para sublinhar, como é oportuno e de justiça, o admirável trabalho de recenseamento e elaboração dos cadernos eleitorais, desenvolvido pela equipa liderada pelo tenente-coronel Costa Brás, do MFA e ministro da Administração Interna. Assim, nas eleições de outubro 1973 havia um milhão e 800 mil recenseados, e nas de abril seis milhões e 200 mil, ou seja, quase quatro vezes mais! O que é extraordinário, como o é desses 6,2 milhões terem votado 5,7 milhões – cerca de 92%.
Logo em maio de 74 foi nomeada uma comissão, composta por prestigiosos juristas, para apresentar uma proposta de lei eleitoral. Nessa proposta, e no processo subsequente, tudo foi feito para assegurar uma democraticidade sem mácula das eleições, uma completa igualdade de oportunidades para todas as candidaturas. E lembro-me bem de, já na fase final de aprovação da lei, haver uma disposição que obrigava a imprensa a dar o mesmo espaço a todos os partidos…
Eu estava na direção do Diário de Notícias, ao tempo o de maior tiragem e influência, e (também como jurista) critiquei essa imposição absurda: como dar o mesmo espaço, o mesmo relevo, inclusive noticioso, aos partidos que tinham numerosas iniciativas diárias e aos que quase não existiam ou tinham muito reduzida atividade? Fui convidado a ir ao Conselho de Estado – integrado pelos principais titulares dos órgãos de soberania, dirigentes do MFA e grandes personalidades (como Azeredo Perdigão) – para expor o que pensava. E a lei foi mesmo mudada, passando a obrigar a uma igualdade, sim, mas de tratamento jornalístico, para o que era igual…
Foi fantástica a campanha para os portugueses votarem nessas eleições de 1975, foi fantástico esse dia 25 de Abril, tendo a coroá-lo a cobertura televisiva pela RTP, numa emissão histórica de 30 horas seguidas. São as eleições de agora, mesmo atendendo à diferença dos tempos, simbolicamente “dignas” dessas de há meio século?…
3. Considero lamentável a posição da Comissão Nacional de Eleições sobre os cartazes do Chega em que sem margem para nenhuma dúvida se acusa de “corrupto” Luís Montenegro – e cuja retirada ele muito bem requereu através de uma providência cautelar. Ser corrupto é ter cometido um crime muito grave, para mais tratando-se de um político e primeiro-ministro. E então pode impunemente acusar-se, e com a maior exposição pública, alguém de um crime assim grave – de ser corrupto, ou ladrão, ou abusador sexual – em nome da “liberdade de expressão” e como forma de “propaganda eleitoral”? De facto, remetendo para o que aqui escrevi há duas semanas, “vale tudo”. E como a Justiça, ao fim de semanas, ainda não se pronunciou sobre aquela providência cautelar, isso confirma a por mim defendida necessidade de um Tribunal Eleitoral, como no Brasil.
À MARGEM
Duas notas sobre os debates
1) Nos debates televisivos que vi, de interesse e nível bastante diferentes, julgo haver em geral uma melhoria na intervenção e na moderação dos jornalistas. E por exemplo, na RTP, essa melhoria é nítida, ao passar a ter como titular um profissional que, curiosamente, até começou na área do desporto – Hugo Gilberto.
2) Continua, porém, em vários casos, a haver uma permissividade inadmissível – que por vezes parece até conivência, embora involuntária – em relação a André Ventura, suas interrupções e seus truques. Inclusive ao “focarem-no” enquanto o outro debatente está a falar e ele faz umas provocações e/ou diz umas aldrabices (por exemplo, sugerindo ligações ao Irão, à China ou à Venezuela de quem as não tem, pelo contrário).