A semana foi agitada pela providência cautelar apresentada em tribunal por Luís Montenegro, exigindo a retirada dos cartazes do Chega, onde surge ao lado de José Sócrates sob os dizeres “50 anos de corrupção”. O advogado de Montenegro, que redigiu o texto da providência, sublinha uma evidência: Montenegro sente-se ofendido na sua honra pessoal. E não poupa nos adjetivos, face a este outdoor de campanha: “Infamante”, “soez”, “hediondo” e “ignóbil”. Posteriormente, e quando André Ventura veio bater no peito em nome da “liberdade de expressão”, o presidente social-democrata respondeu: “Hoje [a providência cautelar] veio a público porque o Chega foi notificado e logo quis condicionar a Justiça. O Chega e o seu líder não têm limites. Não se confunda liberdade de expressão com ofensas e calúnias gratuitas.” Todavia, ainda sem se conhecer esta reclamação de Montenegro – a que o tribunal recusou dar provimento antes de obter o contraditório do Chega, e daí a notificação recebida por aquele partido –, um alto responsável da AD, Paulo Núncio, líder parlamentar do CDS, numa entrevista, também comparava Pedro Nuno Santos com José Sócrates: “É o pior candidato alguma vez apresentado pelo PS! Ao nível de José Sócrates!” A insinuação, como todas as insinuações, carece de esclarecimento: é uma alusão velada a qualquer suspeita de corrupção por parte do atual líder do PS? É para desviar as atenções dos problemas próprios do líder da AD (relacionados com a empresa Spinumviva)? É uma referência às qualidades ou aos defeitos políticos de Sócrates, depois de este se ter apresentado como candidato a primeiro-ministro pelo PS, ganhando por maioria absoluta (nada mau, para um péssimo candidato…)? Ou às suas políticas, que incluíram, no primeiro executivo, o controlo do défice (quando isso era difícil), obtendo do Presidente Cavaco Silva abundantes elogios pelo seu espírito reformista (como a comunicação social da época registou em peças que ainda estão disponíveis na internet)? Ou é um reparo a características pessoais ou traços de personalidade eventualmente similares?
A entrada, de rompante, de José Sócrates pela pré-campanha adentro, no ano em que se inicia o julgamento do Processo Marquês e poucos dias após o anúncio da respetiva data, é como a frase do velho anúncio do Restaurador Olex: não é natural. Mas é intencional. Sócrates volta a estar na moda.
Regressando ao cartaz, é claro que a mensagem do Chega, além de manipulada – havia muito mais corrupção em todos os extratos da sociedade portuguesa no período anterior aos tais 50 anos, embora com muito menos escrutínio, por não estarmos, então, perante um Estado de direito, com separação de poderes e uma imprensa livre –, é mesmo caluniosa para o visado – e até para os visados, visto que Sócrates ainda não foi julgado e, portanto, ainda não pode ser considerado culpado. E o que é que isso interessa? A lógica populista, que usa sempre o argumento da “liberdade de expressão” para justificar a ofensa não fundamentada, não se destina apenas a “arrasar” o adversário: de caminho, desacredita a democracia e os seus 50 anos de progresso material e de avanços civilizacionais, o primeiro dos quais é o de ter a capacidade de levar um ex-primeiro-ministro a julgamento, algo impensável no tempo da outra senhora. E a passagem desta mensagem corrosiva e aldrabona é o principal objetivo do cartaz. Nada disto tem a ver com Luís Montenegro.
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