Os projetos de construção são tradicionalmente geridos segundo um fluxo contínuo de atividades sequenciais que abrangem as fases de viabilidade (análise do investimento), conceção (arquitetura e engenharias) e execução (obra), até à entrega final do empreendimento (edifício ou infraestrutura). O sucesso desta abordagem em “cascata” (do inglês, “waterfall”) depende de um planeamento e gestão do risco rigorosos em termos de âmbito e responsabilidades, algo que raramente acontece ou é realmente eficaz, por vários motivos (e.g. relacionados com o solo, clima, materiais, mão-de-obra, formação, etc.). O resultado são contratos geralmente insuficientes ou ambíguos que se repercutem em atrasos ou custos acrescidos, principalmente na fase de obra.
É neste contexto que a metodologia Agile, frequentemente aplicada ao desenvolvimento de software desde há mais de 20 anos, ganha especial interesse para o setor da construção. A sua implementação consiste em dividir o projeto em subprojetos (“sprints”), não necessariamente dependentes, mas que permitem evoluir de forma gradual ao mesmo tempo que se testa o conceito e se ajustam os requisitos conforme as necessidades e preferências do cliente. Isto é aplicável, por exemplo, através da conceção e execução de partes de um edifício ou de um conjunto de edifícios (subprojetos), de forma incremental, iterativa, paralela e ajustável, sem a necessidade assim de pré-definir e executar completamente o planeamento global do projeto (edifício completo ou complexo de edifícios).
Embora, na prática, de forma empírica e informal, este processo possa ser muitas vezes aplicado na construção, por motivos como a dimensão e complexidade dos projetos e a falta de coordenação entre os diversos intervenientes, o mesmo não é, certamente, aplicado de forma metódica e consciente.
De entre as vantagens associadas à metodologia Agile (vs. processo de gestão tradicional ou “waterfall”) destacam-se a maior flexibilidade e adaptabilidade perante a evolução dos requisitos do projeto; o maior incentivo à colaboração, comunicação e transparência entre as diferentes equipas do projeto (e.g. projetistas, empreiteiros, fiscalização e dono da obra); e o maior controlo sobre as entregas da obra, de forma progressiva, optimizada e adaptada aos interesses do cliente.
Enquanto exemplos de métodos Agile aplicáveis à construção existem o Scrum, que se foca na divisão do projeto em fases distintas e geríveis com objetivos e entregáveis específicos (e.g. 1) fundações e estruturas, 2) fachadas, 3) acabamentos e instalações); o Kanban, que incide no controlo das tarefas em tempo real e na alocação mais ou menos intensa de recursos consoante o progresso (e.g. controlo de materiais, mão de obra e equipamentos para a execução das fundações); e o Lean, que procura aumentar a produtividade dos trabalhos e reduzir desperdícios (e.g. recurso à construção modular e entregas just in time na execução dos acabamentos).
Os principais desafios para o sucesso deste tipo de implementação na construção relacionam-se com: a elevada fragmentação e dispersão da cadeia de valor da construção, que dificulta a coordenação, e a falta de formação das diferentes partes interessadas, em termos processuais e tecnológicos; a interdependência de muitas fases e tarefas de um projeto de construção, que dificulta a aplicação de entregas incrementais e de ciclos curtos; a preferência geral dos donos de obra por contratos com preço global fixo e não revisível, que podem não ser compatíveis com uma aplicação Agile; e as eventuais limitações regulamentares e legais, designadamente no âmbito da contratação pública.
Assim, para capitalizar sobre os benefícios da metodologia Agile devem ser tomadas medidas específicas, ao nível das organizações e do governo.
Ao nível das organizações, enumera-se, por exemplo, o investimento na formação e capacitação dos profissionais, em parceria com instituições de ensino e de consultoria que detenham conhecimentos específicos nesta área; a implementação de ferramentas de gestão que permitam o controlo das variáveis mais relevantes dos projetos em tempo útil; e a criação de equipas multidisciplinares para tomar decisões e resolver problemas de forma autónoma e célere.
Na esfera governamental, podem ser criadas políticas públicas (e.g. incentivos fiscais e subsídios) e programas de incentivo à inovação e tecnologia que estimulem a adoção de processos ágeis no desenvolvimento de projetos de construção, incluindo a simplificação de normas e regulamentos (e.g. relativos a contratação, licenciamentos e autorizações) para facilitar o dinamismo característico destas formas de trabalhar. Adicionalmente, devem ser fomentadas parcerias com universidades e centros de investigação no sentido de apoiar estudos sobre a melhor forma de aplicar métodos ágeis na construção.
Em suma, a adoção de métodos Agile, em comparação com métodos tradicionais, no domínio da construção, potencia a entrega de projetos de forma mais adaptativa, mas estruturada, em alinhamento com a crescente complexidade, exigência e necessidade de eficiência no ciclo de vida dos edifícios e infraestruturas e com vista à satisfação do cliente.
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