1. Quando se pensa que não é possível pior, acontece o ainda pior. Ou igual ao pior, mas em outra vertente ou situação. Está a suceder em várias latitudes, nunca pensei assistir a tão dramático espetáculo do estado do mundo. Mas não vou falar de Gaza, da Ucrânia, de Trump, de Musk, de Milei, de Maduro, e por aí fora. Limito-me aqui, paroquialmente, ao Chega. Desde que tem 50 deputados com um estendal de atitudes, posições, palavras, que são ofensivas, injuriosas, desrespeitadoras do mínimo de urbanidade exigível a qualquer cidadão nas relações sociais. E, por maioria de razão, na ação política, de que a Assembleia da República (AR) é o principal e mais visível palco.
Todos estarão lembrados de algumas dessas condenáveis intervenções, mais para lamentar do que parlamentares… Uma delas chamando até “bandido” a um Chefe de Estado em visita ao nosso país a convite do Presidente da República e a falar no Parlamento a convite do próprio Parlamento. Não um desses ditadores de qualquer regime tirânico, nem um desses cleptocratas de incalculável fortuna roubada ao seu povo, mas o Presidente do grande “país-irmão” de Portugal, Presidente democraticamente eleito para um novo mandato, sendo que do primeiro saiu com aprovação de 80% dos brasileiros.
E enquanto na tribuna André Ventura, em palavras difundidas em direto pelas televisões, cometia um crime tipificado e punido no Código Penal, a bancada do Chega ostentava cartazes também injuriosos para o Presidente Lula da Silva, como os dos seus, do Chega, apoiantes, que no exterior lhe chamavam “ladrão”. A isto descemos, a isto chegamos!…
2. Recordo o inadmissível episódio a propósito dos constantes atropelos do Chega e do seu “chefe” a regras elementares da democracia e da decência. Em particular aos últimos, com total ausência do respeito mínimo pelos outros, incluindo deputadas de diferentes partidos, a uma delas atingindo-a pela sua condição de invisual. E vêm estas linhas também para sublinhar que creio ter o presidente da AR não só o direito, mas, mais importante, o dever de intervir para evitar ou sancionar esse tipo de intervenções.
Os poderes que agora detém já lho permitem de modo muito mais efetivo do que está a fazer. Mas não o tem feito, estou convicto que não por “medo” mas por angelicamente acreditar que as coisas se resolvem com base na “pedagogia” (qual?, como?, quando?). “Medo”, dados os violentos ataques que o Chega fez aos seus antecessores, que aliás se limitaram, e em geral de forma muito mitigada, a tentar fazer cumprir o regimento.
Tendo sido o regimento, porém, elaborado num tempo em que ninguém pensava se pudesse chegar onde já se chegou, creio indispensável alterá-lo, visando impedir este caminho para o abismo. Nessa alteração incluindo a aplicação de sanções, mas nunca “multas” ou similares.
3. Bem sei que tudo isto é muito difícil. E que Ventura e seus discípulos, capazes de tudo, fazem o mal e a caramunha. Quero dizer: se praticam atos indignos, têm procedimentos condenáveis e são sancionados, ainda se arvoram em vítimas – e por vezes até conseguem reforço de “popularidade”, ganhos “políticos”!
Há um risco. Que, porém, não pode levar à paralisia, à desistência de defender ativamente a democracia, a civilidade, a decência, o humanismo. Obriga é a agir com inteligência e sensatez. O que, com as naturais distâncias e diferenças, se aplica aos media, que amiúde – na grande maioria dos casos, acredito que involuntariamente, embora crentes que isso lhes aumenta as audiências… – ajudam a fazer o jogo sujo do Chega.
De facto, não há maior presença nos media do que a de Ventura, com permanentes “pés de microfone” para as suas injúrias, acusações, divagações, tiradas. Que constituem a sua principal forma de propaganda, pessoal e partidária. Ora, o verdadeiro jornalismo e os jornalistas têm obrigação de informar, objetivamente, de dar tudo o que é notícia, que tem a dimensão e dignidade de notícia, mormente facto ou opinião relevante – não se pode nem deve prestar a ser uma espécie de diário “tempo de antena” de Ventura e do seu partido.
À MARGEM
Francisco Pereira Coelho
Ia assinalar/celebrar aqui os seus próximos cem anos de vida. Fui ao Google para confirmar o seu dia de nascimento – 28 de fevereiro – e tenho a tão triste notícia que morreu ontem (escrevo a 18). Ele, decerto o melhor prof. de Direito que tive(mos). Ainda na última reunião de curso que tivemos, em Coimbra, lho quisemos dizer e agradecer. Para isso o visitando em sua casa uma delegação (Artur Santos Silva, Alfredo José de Sousa, Cunha Rodrigues, eu próprio), que ele recebeu com a modéstia e simpatia de sempre, e um vinho do Porto do seu ano de nascimento – lembrando-se bem do nome e do percurso dos quatro.
Falo de Francisco Pereira Coelho, prof. catedrático da Fac. de Direito de Coimbra, um excecional jurista e figura humanamente muito rica. Ah!, se todos os licenciados em Direito deste país tivessem aprendido com ele o que é o Direito, o que é a inteligência das leis, o que é a justiça, Portugal estaria muito melhor…