Nos finais de 1988, farto das rasteiras dos barões do seu próprio partido, Vítor Constâncio bateu com a porta e demitiu-se de secretário-geral dos socialistas. Para memória futura, bradou: “Não tenho generais!” Referia-se o malogrado líder do PS à falta de nomes que aceitassem avançar, em Lisboa, para uma candidatura autárquica à capital, em 1989. O último a dar-lhe a nega fora António Guterres, que desejava tudo menos afundar-se numa guerra considerada perdida, hipotecando as suas hipóteses de, um dia (o mais cedo possível) ficar com o lugar de Constâncio. Nessa altura, o PS era a terceira força, na capital, atrás da AD – a câmara era liderada pelo centrista Nuno Krus Abecasis – e do fortíssimo PCP, representado, na vereação, por, entre outros “históricos”, o cabeça de fila Rui Godinho. Uma candidatura à capital era, pois, uma jogada de alto risco. E o único interessado, não pela perspetiva de vitória, mas pelos ganhos de notoriedade, era o (então) pouco credenciado filho do Presidente da República, João Soares. Mas, à época, Soares júnior, longe de ser considerado um “general”, não passava de um fogoso “tenente”. Acontece que a CML era crucial para a afirmação de uma nova liderança que não via outra forma de furar a pujante hegemonia da maioria absoluta cavaquista. Pouco depois, já em 1989, o sucessor de Constâncio, Jorge Sampaio, enfrentou o mesmo problema: falta de “generais”. Uma bela manhã, fazendo a barba, vendo-se ao espelho, encontrou o candidato ideal: “Naturalmente, sou eu próprio!” – palavras que repetiria na apresentação da candidatura. O resto foi o que sabemos.
Acontece que, embora os paralelos só muito dificilmente possam ser encontrados (a começar pela ausência de uma maioria absoluta intransponível…), ainda há quem os encontre. Num inesperado artigo, publicado no Público, esta terça-feira, 7, o ex-ministro da Cultura do último governo de António Costa, Pedro Adão e Silva, titula: “E se Pedro Nuno Santos concorrer a Lisboa?” No desenvolvimento do raciocínio, Adão e Silva nota que “a curtos nove meses das autárquicas, o caso de Lisboa permanece um mistério”, que Carlos Moedas “não tem um único projeto mobilizador” e vê contra si “a deterioração dos principais problemas da cidade” e que, apesar disso, “o PS continua a não apresentar um candidato”, custando a compreender “um impasse que diminui a capacidade de fazer oposição e limita a afirmação de um projeto alternativo”. O autor sustenta que, ao contrário do que acontecia em 1989, não faltam generais ao líder do PS e que este atraso apenas pode justificar-se pelo facto de o próprio Pedro Nuno estar a ponderar uma candidatura. Diz o antigo ministro de Costa: “Como aconteceu com Sampaio em 1989, se tivermos uma legislatura de quatro anos, caso Pedro Nuno Santos se candidatasse a Lisboa e vencesse, teria apenas dois anos até ser candidato a primeiro-ministro.” Sabemos o que aconteceu a Sampaio, em 1991: perdeu, com estrépito, as eleições legislativas, concedendo a Cavaco o reforço da sua maioria absoluta. Não é por aí, portanto. Na verdade, o que faz hesitar Pedro Nuno em aprovar um candidato é mesmo isso: a falta de generais. Ganhar as autárquicas, em geral, e, em particular, Lisboa, será crucial para a sua afirmação. Terá, pois, de acertar em cheio. Mas quem? Independentemente dos desenvolvimentos – Pedro Nuno desmentiu, imediatamente, qualquer intenção de se candidatar a Lisboa –, alguns dos nomes de que se fala, Alexandra Leitão, Mariana Vieira da Silva, outros, não são bem generais, talvez não passem de “majores”. E o único capaz de aspirar ao generalato, Duarte Cordeiro, impôs-se a si próprio uma travessia do deserto, sendo que pode deparar-se com o mesmo dilema de Guterres, em 1989: se perder em Lisboa, ficará hipotecada a sua ambição de ocupar, um dia, a cadeira que agora pertence a Pedro Nuno. O dilema do líder é excruciante: vai ele a Lisboa, perde e demite-se? Ganha e afirma a liderança (mas perde foco, como Sampaio, na função de líder da oposição)? Ou vai um outro que, a vencer, adquire – como é inevitável que aconteça em Lisboa – protagonismo suficiente para se constituir como uma alternativa interna? Partilhando com o Sampaio de 1989 a necessidade absoluta de reconquistar Lisboa, mas sem correr o risco de lançar uma criatura que venha a engolir o criador, resta a Pedro Nuno Santos considerar o desafio de Pedro Adão e Silva, mesmo que lhe pareça um conselho envenenado. Ou então, perdido por um, perdido por mil, desafiar o desafiante para se candidatar ele.
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