Os dados foram revelados na semana passada e causaram a costumeira breve indignação. Como é comum nos tempos que correm, ficámos todos muito zangados durante um curto período – nem sei se chegou a 24horas – fomos para as redes sociais debitar o nosso agastamento e, um dia depois, voltámos às nossas vidas.
Mas os números – e as pessoas – continuam aqui e nós temos de olhar para eles ao invés de fingir que vivemos num País desenvolvido. É certo que os estrangeiros o adoram e vêm gastar muito dinheiro por cá, porque somos um dos territórios melhores para o Turismo, mas era bom que entendêssemos de uma vez por todas que, apesar de tudo isso, os portugueses não estão a viver melhor.
Bem pelo contrário.
Vamos recordar os dados: praticamente dois milhões de pessoas (17%) vive, atualmente, em risco de pobreza em Portugal. É a décima taxa mais elevada da União Europeia, que compreende 27 Estados-membros. Ou seja, quase dois milhões de pessoas tenta sobreviver com rendimentos iguais ou inferiores a €591,25 por mês. Segundo dados revelados pela Pordata no dia 17 de outubro, em 2022 a taxa de risco de pobreza teve, pela primeira vez em sete anos, uma subida: aumentou 0,6%, para 17%, em termos homólogos. Ou seja, há mais gente pobre no País.
E desengane-se se acha que o problema é o desemprego. De todas as pessoas que vivem em risco de pobreza, quase um milhão (metade, portanto!) está empregada – 10% da população nacional, que está ligeiramente abaixo dos 10 milhões de pessoas. Que é como quem diz: mesmo com um emprego, as pessoas não conseguem ter rendimentos para fazer face às suas despesas essenciais.
A contribuir para as dificuldades das pessoas estão, por exemplo, os custos da habitação – surpreendendo um exato total de zero indivíduos: segundo os dados da Pordata, “em 2023, Portugal viu mais do que duplicar o preço de compra das casas, comparativamente a 2015: 106%, valor acima do registado a nível da União Europeia, de 48%”. Já a remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem subiu, no mesmo período de tempo, 35%. Matemática simples aqui: o rendimento não acompanhou o aumento do custo de vida.
A VISÃO resumiu estes e outros dados aqui, aquando da sua libertação, e depois de vários dias com eles na nossa cabeça, é tempo de assumir aquilo que há muito tempo não queremos: somos um País de gente pobre. Podemos alegrar-nos imenso por os estrangeiros quererem vir para cá viver, comprar casas por muitas centenas de milhares de euros, fazer com que os preços médios das refeições nos restaurantes impossibilitem qualquer português de comer fora e afins, mas, no final, continuamos a ser um país de gente pobre. E que se tem tornado mais pobre à medida que os estrangeiros se tornam mais ricos a viver cá.
E isto devia preocupar-nos muito. Mesmo muito.
Dados do Eurostat revelavam que, no ano passado, os custos do trabalho por hora, na União Europeia, subiram 5,2%, enquanto na Zona Euro o aumento foi de 4,7%. Em ambos os casos, crescimentos inferiores aos 7,2% registados em Portugal. Também nos outros custos, como contribuições sociais e impostos, Portugal registou um aumento de 7,1%, superando a média europeia.
Já em termos de salários médios, Portugal aparece em 10.º lugar entre os que menos ganham na União Europeia, mostram dados da Pordata.
Trocando por miúdos: ganhamos mal, pagamos muitos impostos e o nosso custo de vida para uma coisa tão essencial quanto a alimentação está muito acima da média europeia. Não custa entender por que somos pobres – é só fazer as contas.
O que custa perceber é como, depois de semanas a discutir um Orçamento do Estado para o próximo ano – foram horas e horas de diretos televisivos, comentários exaltados e chorrilhos de indignações – nos preparamos todos para entrar em 2025 sem ver alterações fundamentais nas políticas públicas, que permitam uma alteração do statu quo.
É quase como se tivéssemos todos baixado os braços e nos resignássemos a uma pobreza que sentimos diariamente, mas que nos recusamos a admitir publicamente. E, como bem sabemos, para que possamos resolver um problema temos primeiro que admitir que o temos.
Dados revelados esta quarta-feira, 23 de outubro, pela DECO, davam conta de que as famílias portuguesas têm, em média, sete créditos. Isto vai muito para além dos créditos à habitação, créditos para ter uma viatura ou para fazer obras…são créditos, muitas vezes, para fazer face a despesas inesperadas ou somente à vida quotidiana (afinal, para que servem €591?).
Repito: somos um País de gente pobre. Falta dinheiro em Portugal? Não creio. Há má gestão? Certamente. A distribuição dessa riqueza é absolutamente desigual? Garantidamente.
Encantamo-nos com a construção de edifícios que ganham prémios de arquitetura, onde T1 são vendidos a €500 mil e publicitamos o facto de termos bairros e cidades que já quase não têm portugueses (“Ah, mas tem restaurantes daquele chef famoso”) mas esquecemo-nos do essencial: todas as medidas que foram tomadas por sucessivos governos para captar investimento tinha como objetivo – alegadamente – melhorar a vida dos portugueses. Não o fizeram.
Aliás, os números mostram até que a vida dos portugueses se tem tornado mais difícil a cada ano que passa. Tudo isto é ainda mais dramático se olharmos apenas para os jovens, que crescem agora num território que os convida a emigrar – outra característica que, pelos vistos, também é transversal aos governos de várias cores políticas.
Somos um País de pobres e não devíamos ser, porque muitas das nossas empresas são produtivas, muitas das nossas marcas são fortes e muitas das nossas pessoas são das melhores do mundo nas suas áreas. Mas somos. E se isto não nos preocupa a todos e não nos faz ser mais exigentes com o poder político, não sei o que nos fará mudar.