O recente ultimato (sob a capa de um “pedido de execução imediata”) de Israel para a retirada das forças de UNIFIL (United Nations Interin Force in Lebenon) para as Forças Miliares Israelitas (IDF) poderem operar a seu contento no sul do Líbano demonstra a agonia de um político e de um regime que perdeu, em pleno século XXI, a noção de estar inserido no conserto de nações civilizadas, representadas pela ONU, da qual faz, aliás, parte. Este gesto do primeiro-ministro de Israel surge na sequência de dois tanques da IDF terem destruído o portão principal da base da UNIFIL invadindo o seu recinto, acobertando a proeza com o fumo de 100 obuses disparados à distância.
Ao proceder assim, o Governo de Israel inverte os termos do que consta: da Resolução do Conselho de Segurança 1655 de 31.01.2006 unanimemente aprovada; do artigo 3º da Convenção de Genebra relativa à Proteção dos Civis em dos combatentes de Guerra de 12.08.1949 e -do Direito Internacional Humanitário (DIH) (t.c.p. Direito Internacional de Conflitos Armados), que tem o seu fundamento na 4ª Convenção de Genebra de 1949 e dos seus Protocolos Adicionais de 1977 e 2005.
Pela importância que assume no plano do imediato, sobretudo tendo em conta a insólita proposta do Netanyahu, próxima da loucura política, tenha-se em conta que o DIH só se aplica em conflitos bélicos como é precisamente o caso em que o Estado de Israel está empenhado, sendo, por isso, aplicável às Forças Armadas envolvidas, estabelecendo a linha vermelha para os desmandos e excessos praticados “sob a alegação de que estão a cumprir ordens”.
O DIH é um conjunto de princípios decorrentes do Direito Internacional, nomeadamente: o de distinção, que impõe a proteção da população civil (destaque a mulheres, crianças e idosos) distinta dos combatentes; salvar os objetos civis (escolas, hospitais, bairros residenciais, entre outros); o de proporcionalidade, ou seja, a proibição de ataques que suscetíveis de causar danos superiores à vantagem militar projetada (há danos que podem ser evitados mesmo numa avaliação militar) e o de precaução, visando a preocupação de poupar a população civil. Os autores, diretos ou indiretos de atos que infrinjam consciente e voluntariamente estes princípios, podem incorrer em “crimes de guerra”. Crimes de guerra tal como vem definidos no Estatuto de Roma do Tribunal Pena Internacional. Para o efeito, basta consultar o seu artigo 8º. 2.a. IV. (destruição de bens não justificada), VII. (transferência ilegal de população); b. i. (ataque intencional à população civil), ii. (Ataque a bens civis), iv. (Ataques intencionais sabendo que o dano causado ultrapassa a necessidade militar).
Para justificarem a destruição de infraestruturas palestinas e do Líbano, bem como as suas escolas e hospitais e a continuada imposição às populações para se deslocarem e seguidamente as perseguir, tanto o primeiro-ministro de Israel como o porta-voz da IDF, alegam que o Hamas e o Hezbollah se escudam por detrás das populações ou se escondem em edifícios civis. Citemos o insuspeito Pacheco Pereira: “E não me venham com a história de que o facto de dois grupos de terroristas se esconderem num escudo de civis, e usarem escolas, hospitais, instalações da ONU – coisa que eles fazem – justifica o que Israel faz. Israel tem recursos e meios para chegar aos seus objetivos militares e tempo para o conseguir sem este massacre quotidiano. Não, não é a razão militar que justifica o que está a ser feito, é considerar que ser palestiniano é ser terrorista, é atribuir uma culpa coletiva às populações de Gaza e do sul de Líbano”. (in. Público pg.13 de 12.10.2024)
Indubitável e inequivocamente, Netanyahu e os responsáveis militares da IDF estão na senda da criminalidade de guerra e como tal, cedo ou tarde, terão que prestar contas.
(P.S. Estava a terminar este escrito quando fui confrontado com a notícia de que a UNIFIL irá continuar na execução do seu mandato. Trata-se de um gesto significativo e demonstra que o Conselho de Segurança – enquanto entidade responsável pela Força Militar de Paz da ONU – tem o estofo moral e a capacidade política para contrariar Netanyahu trazendo paz e segurança em Gaza, Líbano e Israel).
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