Ao escrevê-lo, arrisco-me a que me considerem velha rezingona, mas, ainda assim, sujeito-me: tenho para mim que um dos motivos pelos quais as pessoas – os leitores, os telespectadores, os ouvintes – têm vindo a afastar-se dos órgãos de informação tradicionais, privilegiando outras plataformas, também decorre do facto de aqueles se terem tornado bastante previsíveis. Como é evidente, arrisco-me a que a crítica caia (muito legitimamente) direitinha em cima da minha cabeça, enquanto jornalista e responsável editorial da VISÃO. Cá estou e cá estarei, para assumir os erros – continuar a tentar, falhar de novo e, como dizia Beckett, falhar melhor.
Chegámos, pois, àquela altura do ano em que, sem surpresa, a Educação volta a fazer manchetes de jornais e a abrir telejornais. Como os últimos anos têm provado sobremaneira, o tema interessa verdadeiramente a muito poucos. Interessam as carreiras profissionais, a reposição do tempo de serviço, os sindicatos dos professores e do pessoal auxiliar, as greves e as manifestações, os computadores e a internet das escolas, os manuais e os exames em papel ou digitais. Interessam também, nos últimos tempos, as colocações e a falta de professores. Que não existem em Portugal e, de um modo geral, em lado nenhum, diga-se de passagem… O relatório da OCDE Education at a Glance, tornado público esta semana, indica que 18 dos 21 países que disponibilizam dados sobre o tema revelam não ter conseguido recrutar docentes para preencher todas as vagas. (No mínimo, Luís Montenegro foi imprudente quando, na última campanha eleitoral, disse tratar-se de falta de planeamento, mas, como diria o outro, isso agora também não interessa nada…)
A esta lista (algo cínica, concedo, mas realista) do que interessa acrescento ainda que a existência de telemóveis no recinto escolar importa q.b. e apenas na medida da dicotomia do “pró ou contra” desse debate estéril entre os malefícios e os benefícios da tecnologia. Enquanto isso, no caso português, a cada ano que passa, acentuam-se as desigualdades entre o ensino público e o ensino privado, com este último a não hesitar na hora de estabelecer regras, impor limites e até proibir o uso do telemóvel durante o tempo letivo às crianças mais novas.
Perdoe-me, caro leitor, por trazer para aqui o meu caso pessoal. Faço-o na esperança de que o testemunho possa sensibilizar outros pais, dirigentes políticos, cidadãos atentos e preocupados e professores, sobretudo professores. Como encarregada de educação de três alunos, sinto-me sozinha quando falo na importância de recuperar o tempo perdido durante aqueles dois anos letivos em que o encerramento das escolas foi a principal medida de saúde pública para combater a Covid-19. Em que, de ânimo mais ou menos leve, parámos o tempo, fingimos que estava tudo bem e que ia ficar tudo bem. Enquanto isso, os miúdos não iam à escola, faziam como que um intervalo na vida, à espera do dia em que pudessem retomar a normalidade (alguns usufruíram da escola à distância, uma medida bem-intencionada, mas que foi apenas uma forma de remendar a situação).
Estou a ser simpática e a cingir-me aos anos mais difíceis da pandemia, ao ano letivo de 2019/2020 e ao de 2020/2021. Ouço-me a pregar no deserto quando abordo este assunto entre colegas de profissão, familiares e amigos, pais de amigos dos meus filhos, professores dos meus filhos. Não encontro quem queira saber do impacto que aqueles anos tiveram nos mais novos e a verdade é que não passou uma década, passaram menos de cinco anos! Pouco percebo de patologias do foro psicológico, mas intuo que andaremos perto do “é melhor não falar”, “mexer no assunto só vai piorar a situação”.
Também não estou insatisfeita com a escola dos meus filhos, é justo que se diga. Nem com os seus resultados, muito menos com os professores que os acompanham. Sei que serão sempre meninos privilegiados (esforço-me, aliás, por lhes recordar isso todos os dias). Mas é justamente por causa disso que me sinto na obrigação de falar por quem não pode falar, de explicar por quem não consegue explicar, até de observar por quem não tem meios nem condições para observar. Os resultados do último PISA já refletem uma tendência geral de queda acentuada, à qual Portugal não é alheio, nas médias de matemática e de leitura.
O atual ministro da Educação, Fernando Alexandre, tem demonstrado ser um homem sensato, como revela a carta que esta semana enviou aos professores. Já adiantou caminho na reposição do tempo de serviço congelado e no subsídio de deslocação, e prometeu rever o Estatuto da Carreira Docente. É por isso que, aproveitando o incêndio político estar aparentemente em fase de rescaldo, me atrevo a perguntar: professores, vós que tendes a nobre missão de ensinar e de transformar, conseguireis agora pensar sobretudo nos alunos?
Breviário
Turismo sim, Disneylândia não
Conhecíamos o fenómeno da “cidade bloqueada” por causa das corridas, que durante umas horas impedem a circulação e nos obrigam a dar “uma volta a mais”. Tolera-se, a bem da promoção da atividade desportiva. Realidade bem diferente é o que, nos últimos tempos, tem acontecido em Lisboa: do Rock in Rio (agora no Parque Tejo) ao Red Bull Flugtag (que, no fim de semana, ocorreu na Doca da Marinha), têm sido constantes os cortes, as proibições e, sobretudo, a brutal ocupação do espaço público pela “indústria dos eventos”. O ponto não é se queremos ou não ter turismo, é se queremos transformar a cidade num parque de diversões onde ninguém quer viver e, muito menos, passar férias.
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