A Ciência é mais parecida com o Desporto do que parece à primeira vista. Não se faz investigação científica só para resolver problemas concretos. A Ciência pode ser exercida sem um fim utilitário à vista, só para satisfazer o desejo, inerente ao ser humano, de saber mais e ir mais além no entendimento do mundo em que vive. É a chamada Ciência na sua vertente “básica”.
A ânsia de ser mais veloz, saltar mais alto e mais longe, desempenhar movimentos com elegância e sem falhas, ser mais forte e mais astuto, é-lhe comparável – não tem um fim útil, só apela à superação humana. Daí a obsessão em bater recordes. Mas a capacidade física humana, ao contrário da imaginação e da ambição, tem limites. Até que ponto é possível continuar a bater recordes? Quando chegaremos ao limite absoluto da capacidade humana?
Francisco Lázaro, maratonista português, vítima de um esforço sobre-humano na maratona das olimpíadas de 1912, em Estocolmo, ficou para a história como um dos exemplos trágicos de como a ambição humana de estender os limites do desempenho pode transcender a capacidade física. Com um treino intenso, mas empírico, e táticas baseadas na intuição, conseguiu bons tempos em maratonas que antecederam a competição olímpica; no entanto, sucumbiu após desfalecer em plena corrida olímpica, vítima do calor intenso e da ingestão descontrolada de água.
Era um tempo em que cada atleta era um caso isolado, individualizado, ditado pelo acaso do seu porte físico, do seu estilo de vida, do regime de treino e das condições da competição. As diferenças individuais eram grandes e os recordes batiam-se por margens apreciáveis.
Hoje, com a globalização, a seleção dos atletas para determinada modalidade padronizou-se, as metodologias de treino internacionalizaram-se, os conhecimentos de nutrição, de bioquímica e de fisiologia do desporto estão ao alcance de quase todos, e os equipamentos são disponibilizados por multinacionais para todo o mundo por igual.
A diferença entre atletas de geografias diferentes esbateu-se e a capacidade de ir batendo recordes sucessivamente vai decrescendo. Os records são batidos por tempos cada vez mais ínfimos, distâncias cada vez mais curtas, ou pontuação cada vez mais fracionada. O limite da capacidade humana parece cada vez mais perto. Tomemos a corrida dos 100m masculinos como exemplo, com o recorde de Usain Bolt, de 2009 (já lá vão 15 anos!): 9,58s. Será possível alguém um dia atingir a marca de 8,00s? E 9,00s? Onde está o limite absoluto do alcance humano nesta prova?
Apesar da Ciência dita fundamental (isto é, não aplicada, ou “básica”) tal como o desporto, não ter um fim utilitário (de que serve alguém correr 100m em menos de 9,58s?), um fator importante os separa: o Desporto associa a si um carater de espetáculo e entretenimento de massas, que a Ciência raramente tem.
Os Jogos Olímpicos são o exemplo disso mesmo: cada prova de cada modalidade, não tem um fim material em si, que solucione um problema ou necessidade social, mas edificam uma enorme indústria do entretenimento. E essa indústria vive da emoção da superação (expressa em medalhas) e dos recordes, que são a sua maior evidência. É preciso manter as “fábricas” de campeões que batem recordes, o que é cada vez mais difícil.
Aqui, uma outra vertente da Ciência, a chamada ciência aplicada, cruza-se com o pragmatismo do Desporto enquanto espetáculo: a Bioquímica e a Fisiologia contribuem cada vez mais para formar campeões. Os regimes de treino são cada vez mais científicos e ditados por resultados laboratoriais. São treinos dirigidos para determinadas reservas energéticas, determinados tipos de fibras musculares, ou para a modulação sobre a forma e capacidade de uso de oxigénio. Nada é deixado ao acaso.
Com os limites da capacidade humana intrínseca em causa, as fábricas de campeões voltam-se também para os equipamentos e materiais dos acessórios. A Ciência aplicada aos materiais permite avançar para melhor desempenho, com materiais mais leves, mais adaptáveis, mais aerodinâmicos, mais hidrodinâmicos… Tudo conta para conseguir, mesmo que por pequeno incremento, chegar mais longe ou mais rápido.
Para terminar a relação de semelhanças e cruzamentos entre Desporto e Ciência, é impossível não referir que os Prémios Nobel são o grande expositor do contributo de cada país para o avanço do conhecimento, como as medalhas olímpicas são para o contributo de cada país para a superação humana no desporto.
Basta um pequeno olhar de relance para uma análise comparativa do desempenho de Portugal e outros países europeus nas duas frentes para perceber que o nosso país, nem em matéria de Prémios Nobel, nem em matéria de medalhas olímpicas, se pode orgulhar de ter contribuído muito para o progresso da humanidade durante os séculos XX e XXI.