O Presidente francês, Emmanuel Macron, perdeu estrondosamente o primeiro round das eleições legislativas, antecipadas para 30 de junho (primeira volta) e 7 de julho (segunda volta). A jogada de Macron, decidida após a derrota nas “europeias”, foi a do jogador de póquer que, só com duques na mão, ensaia o seu bluff. Numa análise política não destituída de sentido, há quem diga que Macron prefere antecipar o inevitável, enquanto ainda ocupa o cadeirão principal do Eliseu, e “forçar” um governo de extrema-direita, liderado pelo quase imberbe Jordan Bardella (28 anos, na foto), para expor as fragilidades do Rassemblement National, de Bardella e Marine Le Pen, a tempo de os eleitores pensarem duas vezes antes de colocarem Le Pen na Presidência. O maquiavelismo parece demasiado rebuscado, mas uma coabitação difícil, em que Macron pudesse colocar armadilhas aqui e ali, não seria um cenário que o Presidente rejeitasse. A verdade é que o seu Ensemble obteve, apenas, 20,3% dos votos, contra os 33,1% do RN e os 27,9% do Nouveau Front Populaire, um albergue espanhol da esquerda que contém radicais, socialistas, comunistas, ecologistas e diversos protagonistas historicamente inconciliáveis cujo único denominador comum, necessariamente pontual, é o de travar a extrema-direita. Declarações bastante tontas de Jean-Luc Mélenchon, o radical que lidera o França Insubmissa, podem ter o condão de afastar o eleitorado central que, mal por mal, talvez prefira a abstenção ou mesmo o RN da dupla Bardella/Le Pen. O sistema francês prevê uma segunda volta, na qual cabem os candidatos que tenham obtido, pelo menos, 12,5% dos votos. Isto faz com que, embora 76 círculos já estejam decididos, haja perto de 500 por decidir. Destes, 190 terão duelos a dois e 306 assistirão a disputas triangulares. Nos círculos em que a frente de esquerda está em terceiro, é provável que os candidatos desistam, para reunir votos, em torno do Ensemble, contra a extrema-direita. Mas naqueles em que o candidato do Ensemble ficou em terceiro – e são muitos mais –, há bastantes círculos onde os candidatos resistem a desistir a favor da Nova Frente Popular: o França Insubmissa assusta os moderados, pelo menos tanto como o RN. Na verdade, a extrema-direita minou tudo: em 97 dos 190 duelos a dois, o RN de Bardella (que disputa 141) parte à frente. Dos 306 duelos a três, a extrema-direita está em 299. Entretanto, nos 76 círculos eleitorais já decididos, a extrema-direita elegeu 39 candidatos e a esquerda 31 (20 do França Insubmissa, cinco do PS, quatro ecologistas e dois comunistas). Os restantes círculos elegeram candidatos de outros partidos ou independentes.
Na segunda volta, a capacidade de crescimento do Rassemblement National é limitada, mas tudo se torna imprevisível, perante a alternativa possível: a Nova Frente Popular é um saco de gatos que, mesmo que forme governo, pode tornar França ingovernável. Está unida pela negativa (negar o acesso da extrema-direita ao poder) e não pela positiva, em torno de algum programa coerente ou de uma aliança coesa. E tudo se complica com a junção dos centristas de Macron que aceitarem participar, sempre com o fito de derrotar o RN. Paradoxalmente, o espetáculo degradante dos extremos é a derradeira esperança que Macron ainda tem de poder recuperar fôlego, iniciativa e, a prazo, eleitorado desiludido.
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