As mais recentes estatísticas divulgadas pela Agência Internacional para Investigação do Cancro (o ramo da Organização Mundial de Saúde dedicado ao cancro) revelam números importantes: em 2022 foram diagnosticados 20 milhões de novos casos de cancro e 9,7 milhões de pessoas morreram de cancro. A Organização Mundial de Saúde prevê ainda que, até 2050, os casos de cancro deverão aumentar 77%, chegando aos 35 milhões de novos casos, e as mortes provocadas pelo cancro deverão corresponder a mais de 18 milhões de pessoas.
Importa notar que o aumento de casos e de mortes causadas pelo cancro não será uniforme a nível global: os países mais pobres terão uma fatia maior de ambos os parâmetros. As razões para esta discrepância e desigualdade foi brevemente discutida na crónica de janeiro, mas voltarei a este assunto em crónicas futuras.
A explicação para o aumento da incidência e da mortalidade provocada pelos diversos tipos de cancro indica que os principais fatores são os “suspeitos do costume”: consumo de tabaco, de álcool e a obesidade. Ou seja, o aumento de cancros e da mortalidade associada aos mesmos deve-se em grande parte ao estilo de vida das pessoas, incluindo o consumo consciente de substâncias que, comprovadamente, aumentam o risco de desenvolver cancro.
Interessa, assim, voltar ao fundamental e explicar em termos científicos o efeito carcinogénico do tabaco e do álcool.
Vários programas europeus visam a redução da incidência de mortalidade do cancro através de programas de educação e de sensibilização das populações. Reduzir a incidência do cancro através da alteração de comportamentos individuais e colectivos é algo realista e concretizável
Existem estudos epidemiológicos conclusivos que apontam para causalidade entre o consumo de tabaco (fumadores) e o desenvolvimento de diferentes tipos de cancro. Os mais recentes estudos concluem que os fumadores têm um risco aumentado para o desenvolvimento de cancro do pulmão, da laringe, cavidade bucal, faringe, esófago, pâncreas, bexiga, rim, cólo do útero, estômago, colorectal e do fígado.
Cada “porção de fumo que se tira de cada vez de um cigarro” (a vulgar “passa”) contém uma mistura de milhares de compostos químicos, nomeadamente 60 compostos carcinogénicos bem conhecidos. Os carcinogénicos existentes no fumo de tabaco pertencem a várias classes de químicos, com nomes como hidrocarbonetos policíclicos, nitrosaminas, aldeídos e metais, entre outros. Há literatura científica extensa que demonstra a presença de níveis elevados destes químicos carcinogénicos em fumadores. Vários estudos demonstraram ainda a presença de níveis elevados de metabolitos, produtos que o organismo produz resultantes da inalação destes carcinogénicos, na urina de fumadores.
Ao inalar fumo contendo estes compostos carcinogénicos, expomos as nossas células (dos diferentes órgãos, sendo os do trato respiratório expostos em primeiro lugar) ao seu efeito como “agentes causadores de danos no ADN”. Na verdade, os carcinogénicos existentes no tabaco vão ligar-se e causar danos (quebras) no ADN das células-alvo, danos esses que são tão extensos que não conseguem ser reparados pela maquinaria das células. Assim, a exposição ao tabaco resulta na acumulação de danos no ADN das células-alvo. Quando esse tipo de dano afeta sequências no ADN que codificam genes supressores de tumores (como o nome indica, genes que protegem as nossas células evitando a formação de cancros) ou oncogenes (que favorecem o desenvolvimento de cancros), essas células tornam-se cancerosas. Estas células proliferam descontroladamente, invadindo o órgão de origem (por exemplo, o pulmão), levando à sua disfunção e podendo formar metástases. O resultado é o desenvolvimento de um ou mais cancros que reduzem a qualidade de vida da pessoa afetada e que poderão resultar na sua morte prematura. Em suma: sim, o consumo de tabaco expõe o organismo a agentes químicos que causam danos no ADN das células de diferentes órgãos, podendo levar ao desenvolvimento de diferentes cancros. Não-fumadores têm muito menor risco de poder vir a desenvolver qualquer dos cancros mencionados anteriormente porque o grau de exposição a químicos carcinogénicos é significativamente menor.
Quanto ao álcool: o seu consumo em excesso (existe literatura extensa indicando o que se entende por consumo “baixo”, “moderado” ou “elevado”) está relacionado com maior risco de poder desenvolver cancros da cabeça e pescoço, da mama, colorectal, do fígado e do esófago. Embora diferentes estudos apontem para um maior risco em consumidores regulares (diariamente) de elevadas quantidades de bebidas alcoólicas, mesmo o consumo esporádico (1-3 dias por semana) de bebidas alcoólicas está associado a um aumento de risco para certos cancros. O processo de degradação do etanol presente no álcool leva à exposição das células-alvo dos diferentes órgãos a potenciais químicos carcinogénicos (como o acetaldeído) e a radicais-livres de oxigénio, que podem causar danos no ADN. Para além deste efeito que é comum a vários químicos carcinogénicos e que expliquei acima no caso do tabaco, o consumo de álcool provoca ainda uma menor absorção de vitaminas que têm efeitos anti-cancerígenos, como a vitamina C, A, D e E. Finalmente, importa salientar que o consumo de álcool concomitante com o consumo de tabaco cria condições altamente favoráveis para o desenvolvimento de diversos tipos de cancro.
Vários programas europeus visam a redução da incidência de mortalidade do cancro através de programas de educação e de sensibilização das populações. Reduzir a incidência do cancro através da alteração de comportamentos individuais e colectivos é algo realista e concretizável. Evitar conscientemente a exposição a agentes carcinogénicos conhecidos é imperativo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.