Defendo a ideia que de um país desenvolvido deverá proporcionar manuais gratuitos aos alunos que se encontram a frequentar o ensino obrigatório, no caso de Portugal do 1º ao 12º ano de escolaridade. Desde 2016, esta situação tornou-se uma realidade no nosso país, mas de que forma? Creio que existem aqui algumas questões que devemos considerar.
O facto é que, em primeiro lugar, nem todos os manuais são novos. Vários manuais são, na verdade usados, dado que os alunos, a partir do 3º ano, têm de os devolver no final do ano letivo. Recordo-me do valor sentimental que os meus livros da escola sempre tiveram para mim e como ainda os tenho guardados, com tanta estima. Acredito que o mesmo aconteça com tantos outros alunos. Por esse motivo, parece-me, no mínimo, inusitado obrigar as famílias, no final do ano, a apagar todo o trabalho que as crianças e jovens foram desenvolvendo ao longo do mesmo, para que os manuais possam ser reutilizados.
Em segundo lugar, recordo-me também do quão estimulante era o cheirinho dos livros novos em folha, como símbolo também de um novo ano letivo que se iniciava. Todos os alunos merecem sentir esse cheirinho, ter os seus próprios livros, com páginas que contarão as suas próprias histórias e testemunharão a sua evolução. Como assim, apagar tudo como se nenhum significado tivesse tudo que ali foi escrito? Já para não falar dos manuais mal apagados, em que se consegue perceber perfeitamente as respostas dadas pelo aluno que o utilizou no ano letivo anterior.
Por exemplo, pensemos em quantos textos belos e repletos de ideias desapareceram, apagados como se nada significassem? Não podemos aceitar esta situação de ânimo leve. Da mesma forma, não é justo que, então, as famílias com mais poder económico optem por comprar manuais novos, enquanto aquelas que têm mais dificuldades se tenham de sujeitar a esta regra. Na verdade, um país que se pretenda desenvolvido deve oferecer as mesmas oportunidades a todos os seus alunos, não permitindo que crianças ou jovens de famílias em situação mais desfavorecida sejam prejudicadas no seio do sistema educativo.
Muitos falarão do papel da sustentabilidade ambiental. Para esse argumento, apresento uma solução: reduzam-se as páginas dos manuais, os quais, na minha opinião, são, atualmente, excessivamente extensos. Há vida para além dos manuais e essas outras ferramentas de aprendizagem podem e devem ser exploradas pelos professores nas suas aulas.
Em terceiro lugar, se os manuais são gratuitos, também o deveriam ser os materiais de apoio, como cadernos de atividades, que, como sabemos, são, frequentemente, tão importantes como os manuais, conferindo aos alunos a oportunidade de treino dos conhecimentos adquiridos. Não faz sentido as famílias terem os manuais de graça quando sabemos que a grande maioria dos professores pede também que sejam adquiridos os materiais de apoio aos mesmos.
Pelos motivos apresentados, acredito que estes pontos devem ser equacionados e alterações devam ser efetuadas para que este sistema de gratuitidade dos manuais faça total sentido e para que todos os estudantes tenham direito a materiais novos, sem os ter de devolver no final do ano letivo.
Como pode um aluno acreditar que o trabalho que cria e desenvolve é valorizado se o mesmo tem de ser apagado no final do ano letivo? É assim que pretendemos fomentar a afetividade dos alunos com as disciplinas? Esta, não me parece, de todo, uma estratégia brilhante…
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