Mais vale tarde do que nunca, como se costuma dizer, em particular a propósito da Justiça, que quase por sistema anda ou parece andar atrasada. Com razão ou sem ela, conforme os casos, os processos e os recursos. De qualquer forma, se mais vale tarde do que nunca, vale muito mais cedo do que tarde. Ou, se não cedo, pelo menos, atempadamente…
Vem isto a propósito do processo-crime contra Joe Berardo. Que há muito se afigurava indispensável; e inevitável, apesar dos que tudo fariam para o evitar. Como outros processos, pelas mesmas ou semelhantes razões, se justificam. Razões que se tornaram evidentes através dos próprios depoimentos, em comissões de inquérito da Assembleia da República (AR), dos potenciais arguidos.
Recorde-se que no caso de Berardo estão em causa dívidas a bancos de quase mil milhões de euros. Dos quais 439 milhões, que são os portugueses em geral a pagar, à pública Caixa Geral de Depósitos. Será este caso a causa próxima do processo: causa que não está na dívida, pois há muito desapareceu da nossa lei penal a “prisão por dívidas”, mas na forma como terá sido obtido o crédito e o (para este efeito) desaparecimento das respetivas garantias.
A prestação do “comendador” na AR foi de tal jaez que decerto contribuiu para os investigadores se empenharem mais no caso. Não vale a pena estar agora, à distância, a (re)qualificá-la, é preferível citar o que sobre ela escrevi nesta coluna, a 16 de maio de 2019, com o título “Berardo, escândalo com nome”:
“Constituiu a mais despudorada assunção, ainda por cima com um não disfarçado ar de gozo, do privilégio da impunidade conseguida através do poder do dinheiro, da esperteza sem escrúpulos e da habilidade sem vergonha. Com a consequente capacidade de enganar e de ludibriar – com a colaboração, por incompetência ou negligência, se não a cumplicidade, de terceiros. Que se impõe apurar quem foram e sendo o caso punir.”
Na referida coluna lembro também como se impunha ter um especial cuidado na concessão de créditos a Joe Berardo, dado o seu percurso nos negócios. Citando nomeadamente uma reportagem da VISÃO, na África do Sul, logo no nosso nº 42, e na sequência da qual tive a talvez mais penosa experiência no meu longo percurso como advogado defensor da liberdade de imprensa e de expressão.
Enfim, o que por um lado uma vez mais vemos não é original; enquanto por outro lado continuamos a não ver a procura de soluções legislativas e procedimentos investigatórios que o impeçam. De facto, continuam intocadas a criação de intrincados ou mesmo inextricáveis conjuntos de empresas, incluindo “fantasmas”, e de falsas fundações; a utilização massiva dos ninhos para ovos de serpente, e crimes de que os mais inocentes são os de fuga aos impostos; as aldrabices jurídicas de vária ordem, que leis ambíguas, mal feitas (espera-se que involuntariamente) propiciam ou facilitam; etc., etc. São algumas das teias do(s) crime(s), que continuam a ser tecidas sem que o poder democrático pareça empenhar-se a fundo em combatê-las e aniquilá-las. Ao indispensável nível global, ou pelo menos regional, mas que tem de partir do nacional.