Há dois dias o Papa Francisco, na sua homilia numa Praça de São Pedro tristemente vazia, relembrou a importância do jornalismo e que, em tempos tão incertos como os que agora vivemos, o direito dos cidadãos à informação é um direito fundamental. Não se trata do direito a uma informação qualquer, mas sim a uma informação credível, independente, assertiva, feita por profissionais exigentes, comprometidos com a procura da verdade, que trabalham, mesmo nestes tempos de incerteza e ansiedade quanto ao futuro, para nos trazer a todos informação de qualidade, a que devemos e queremos ter acesso ao viver em democracia.
A Comissão Europeia, a propósito da propagação massiva da desinformação online e das “fake news”, muito fruto da banalização do uso das redes sociais, numa comunicação publicada a 26 de abril de 2018, reconhecia ser necessário um plano de ação e acordos de autorregulação que travassem tais fenómenos, considerados verdadeiros ataques aos valores europeus e aos sistemas democráticos. Na mesma comunicação, a Comissão reconhecia que a manipulação online e a desinformação foram utilizadas recentemente em mais de 18 países, durante períodos eleitorais e que 83% dos europeus acreditam que as “fake news” são uma ameaça à democracia.
Como em tempos referiu Edward R. Murrow, um prestigiado pivot da cadeia de televisão americana CBS, em relação ao trabalho dos jornalistas: “Lembrem-se que não descendemos de homens medrosos, não de homens com medo de escrever, e colaborar, de falar e de defender as causas que eram na altura impopulares. Cássio tinha razão: a culpa, meu caro Brutus, não é das estrelas, mas de nós próprios.”
“A culpa, meu caro Brutus, não é das estrelas, mas de nós próprios.” A pirataria também é letal e viral
Ora, por trás deste jornalismo como missão pública, de qualidade, de que falamos, que queremos e que merecemos, estão milhares de profissionais, incluindo jornalistas, fotógrafos, editores, gráficos, colunistas, entre muitos outros, que trabalham numa base diária, para nos fazer chegar os melhores conteúdos. Conteúdos esses que, na forma de revistas, jornais, ou outras publicações, são obras originais, protegidas pelo direito de autor. Ou seja, este direito reconhece que, quem criou, tem de receber uma justa compensação pelo seu trabalho dedicado, original e criativo. No fundo, não é o que todos merecemos? É através da publicidade vendida nesses jornais e revistas e da venda desses conteúdos que estas organizações sobrevivem, seja através das suas edições impressas ou online, incluindo através das suas assinaturas. Acreditava que esta era uma questão de senso comum, pacificamente aceite e reconhecida por todos, principalmente num contexto em que, todos sabemos, as receitas de publicidade caem abruptamente, fruto da apreensão nos mercados.
Foi, por isso, com enorme surpresa e tristeza que vi, nos últimos tempos, dezenas de pessoas que considero civilizadas, cultas, educadas e instruídas (ou talvez não….) partilharem com outras tantas dezenas de pdf’s integrais de jornais e revistas, por exemplo, através do WhatsApp, privando “à queima-roupa” tais jornais e revistas de receberem a justa compensação pela utilização e consumo das obras que criaram, como lhes é reconhecido por direito.
Ora, não só tais comportamentos são completamente censuráveis, duma perspetiva ética e moral, porque os meios de comunicação, os seus profissionais e os direitos de autor relativos às obras que criam diariamente merecem muito mais respeito do que isto, como, a acrescer e by the way (antes saberem por mim), é completamente ilegal.
Na verdade, a violação dos direitos de autor cometida desta forma é um crime de usurpação, pois sem autorização dos autores dos jornais e revistas em causa, tais conteúdos são reproduzidos, utilizados e divulgados abusivamente. E sendo um crime (e confirmo que é) estas partilhas super engraçadas, voluntariosas e meritórias (#soquenao) são punidas com pena de prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias. Cereja no topo do bolo: quem faz estas partilhas fica obrigado a indemnizar os titulares das publicações períódicas em causa pelas perdas e danos resultantes da violação.
Notem que este procedimento penal nem sequer depende de queixa do ofendido, ou seja, o ministério público tem legitimidade para avançar com uma queixa-crime, sem mais, a partir do momento em que toma conhecimento destes factos. Era bom que avançasse. E que todos os interessados e lesados se unissem nesta causa. Porque se não for assim, temo que tudo isto continue impune…
Dito isto, percebo (e subscrevo) a preocupação que levou à iniciativa dos diretores de vários jornais e revistas de se juntarem, para nos pedir a todos e a cada um de nós que os ajudemos a travar esta forma de pirataria. E para isso, só temos de respeitar os direitos de autor dos profissionais e das publicações periódicas e organizações onde trabalham e dizer “basta” à divulgação e consumo destes conteúdos ilegais. Em alternativa, podemos e devemos comprar as edições originais impressas ou assinar as edições digitais, certos de que é o melhor que podemos fazer para continuar a poder beneficiar de um jornalismo premium, de excelência, que queremos e que merecemos, numa sociedade democrática.
Para aqueles que não percebem ou não concordam, resta-me citar novamente Ed Murrow e dizer-vos: “Boa noite e boa sorte…”
