Quase um século de bipartidarismo irlandês terminou, abruptamente, com a vitória no voto popular do partido unionista Sinn Féin nas eleições legislativas do último fim de semana. A organização que, durante décadas foi o braço político do IRA, pode agora tentar montar uma espécie de Geringonça com outros partidos de esquerda, e afastar do poder os dois partidos de centro-direita e de centro-esquerda que sempre dominaram a vida política do país – embora a matemática parlamentar para o conseguir não seja fácil. Na origem daquilo que alguns já apelidaram de “terramoto eleitoral” está o mesmo combustível que tem alimentado muitas outras revoltas e clivagens por esse mundo fora: a necessidade
de mudança face a um sistema que, embora possa apresentar indicadores que os economistas consideram positivos, é incapaz de fazer reduzir as desigualdades e de responder aos anseios dos cidadãos em questões básicas como o acesso à habitação.
Apesar de tantas vezes elogiado e apontado como exemplar, a verdade é que o modelo fiscal da Irlanda – baseado nos impostos baixos para as empresas e que, com isso, conseguiu atrair alguns dos mais importantes nomes da indústria tecnológica – não obteve o mesmo êxito junto da população, em particular entre as gerações mais novas. Segundo a OCDE, a Irlanda é mesmo um dos países que, no seio da organização, apresentam dos índices mais elevados de desigualdade. Os sintomas dessa desigualdade são hoje quase universais, no chamado mundo ocidental. E o principal é o que se manifesta na incapacidade dos mais jovens de comprarem casa ou, sequer, de alugarem uma habitação a preços decentes – um fenómeno cada vez mais crescente também em Portugal.
Com Dublin a apresentar, atualmente, as casas com as terceiras rendas médias mais altas da Europa, apenas atrás de Paris e de Genebra, o Sinn Féin soube aproveitar esse descontentamento a seu favor. Bem como outras duas reivindicações que todos os estudos de opinião indicam estar no topo das prioridades dos irlandeses: o acesso aos serviços de saúde e a recusa em aumentar a idade de reforma.
Ao apresentar-se como única alternativa ao sistema, o Sinn Féin, agora liderado pela “moderada” Mary Lou McDonald, conseguiu atrair os votos dos descontentes e, acima de tudo, unir aqueles que pediam uma mudança radical no governo do país.