Há um país da África subsariana, chamado Guiné Equatorial, que quer aderir à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Parece estranho e é, mas há laços históricos e a fronteira com S. Tomé e Príncipe a servirem de pretexto às autoridades de Malabo para justificar a iniciativa. Na verdade, foram os portugueses os primeiros a colonizar grande parte do território que faz hoje parte da Guiné Equatorial. Por aí ficaram quase 300 anos, grande parte dos quais explorando importantes entrepostos de tráfico de escravos, até saírem, por volta de 1780, depois de um acordo com os espanhóis: estes ficavam com os direitos sobre o lucrativo comércio da região e, em troca, deixavam de atrapalhar a demarcação de fronteiras no Brasil e outros interesses da área de influência portuguesa, na América do Sul. Foi assim que a Guiné Equatorial passou para a alçada espanhola e aí se manteve até 1968, ano da sua independência. É o único país de África cuja língua oficial é o castelhano, embora o francês e, desde há pouco, o português, o sejam também. Mas quase ninguém fala estes dois idiomas.
O pedido da Guiné Equatorial jaz nas gavetas da CPLP desde 2010 e, desde então, o tema tem estado em cima da mesa de cada cimeira, suscitando acaloradas discussões. Percebe-se porquê. A Guiné Equatorial não é um país recomendável. Não o seu povo, claro, mas o Presidente, o inenarrável Teodoro Obiang, e o regime que construiu a partir de um golpe de Estado sangrento, em 1979. Além disso, vigora ali a pena de morte e a vida política resume-se a uma ditadura com total predomínio de um partido e o esmagamento de qualquer veleidade oposicionista. Não só as eleições serem uma farsa, como os direitos e liberdades civis são sistematicamente violados com prisões arbitrárias, tortura e censura à imprensa e a falta de condições de independência do poder judicial. Apesar dos imensos recursos petrolíferos do país, 70% da população vive abaixo do limiar da pobreza, a esperança média de vida é de 51 anos, há poucas escolas e menos hospitais. A vida económica, totalmente dependente do petróleo, é controlada, com mão de ferro, pela família de Teodoro Obiang, eleito pela revista Forbes como o oitavo presidente mais rico do mundo. Tanta riqueza só pode prosperar num dos Estados mais obscuros do planeta, que, justamente, a Transparência Internacional coloca na posição 172.° de um total de 183 nações analisadas. É a medição da opacidade.
O petróleo, a crise, os negócios há muito quebraram as resistências à entrada da Guiné Equatorial na CPLP. Portugal aguentou, sozinho… até agora. Até o país de Obiang ter celebrado um Memorando de Entendimento com o Banif para “iniciativas de colaboração no setor bancário”. Ao que parece, tais “iniciativas” irão tomar a forma de uma “participação qualificada” de 133,5 milhões de euros no capital social daquele banco, que está em processo de recapitalização. A eurodeputada Ana Gomes pediu a intervenção da Comissão Europeia para impedir a entrada da Guiné Equatorial no Banif, lembrando que este banco está a ser resgatado com fundos emprestados a Portugal e denunciando que a operação “é um esquema de lavagem de dinheiro de um regime corrupto e criminoso”. Regista-se a pertinente iniciativa de Ana Gomes, mas o Governo português, esse, já capitulou. Vendeu, vendeu, vendeu, já pouco mais resta. Agora só a alma, e essa, pelos vistos, vai a pataco.