“O discurso de Portas não espelha o drama horrível que aconteceu ao País nestes dois anos, que representaram um retrocesso de 25 anos e que teve consequências dramáticas sobre quase toda a gente. Olhando para este desemprego, emigração, o aumento de necessidades básicas horríveis, não basta dizer que cumprimos. As pessoas querem saber se isto não podia ter sido feito de outra maneira e que garantias temos de um horizonte de esperança.” A citação é longa e quem não a leu no último Expresso pode pensar que se trata do desabafo de algum membro da oposição. Mas não, é de Luís Nobre Guedes, importante figura do CDS, ex-número dois de Paulo Portas, de quem se afastou, e que, no Congresso do passado fim de semana, esteve ao lado dos críticos do atual líder.
É uma frase certeira esta de Nobre Guedes, porque traduz, de forma exemplar, uma das marcas mais chocantes deste Governo PSD/CDS: a frieza e a sobranceria com que falam e decidem da vida das pessoas. Julgando-se predestinados, Passos e Portas mostram-se cada vez mais convencidos de que nasceram para redimir os portugueses dos pecados do despesismo, da preguiça e de qualquer ideia estapafúrdia de justiça e equidade. Primeiro, Passos, agora também Portas, ambos se renderam à absoluta cconvicção de estar a cumprir “uma missão”. Ideia perigosa esta, quando os chefes justificam os seus atos à luz de uma razão superior, incompreendida pela ralé ignara e mal agradecida. Mas não espanta esta crescente sintonia entre os dois líderes. Afinal, eles estão cada vez mais iguais. Portas foi abandonando os seus nichos de sobrevivência, fatores essenciais de diferenciação face ao seu parceiro de coligação, à medida que foi enfraquecendo politicamente. A crise “irrevogável” de julho deu a machadada final na sua credibilidade e em qualquer capacidade de emancipação. Pires de Lima foi (é) a sua boia de salvação, mas, hoje, o CDS é mais uma espécie de tendência do PSD do que um partido com identidade própria. Foi isto que se viu no Congresso: um líder a tentar disfarçar fragilidades, fugindo a dar explicações e a assumir responsabilidades; e um partido apático, literalmente rendido, sem disfarces, aos doces encantos do poder. Poder, eis o que também fascina Passos Coelho. Desenganem-se os iludidos pelo alegado desapego de Passos aquando do tão elogiado desabafo: “Que se lixem as eleições!”. O líder do PSD não pensa noutra coisa. Depois de ter acordado com Portas as listas conjuntas para as europeias, desceu do seu pedestal e foi ao Congresso do parceiro, encabeçando a comitiva do PSD, para aplaudir o seu vice do Governo. Mas este não se tratou dei um ato de consideração e humildade, foi, antes de mais, um momento de banalização de uma espécie de fusão em movimento. Sub-repticiamente, é isso que se está a passar. A seguir vêm as listas conjuntas para as legislativas, que, obviamente, já foram acordadas entre os dois líderes, enquanto o CDS vai ocupando, com o apoio discreto da direção do PSD (não vá a gula do aparelho aperceber-se), altos cargos na máquina do Estado. Não há nada como o perfume do poder para amolecer corações desocupados. Passos e Portas são dois náufragos cujas políticas vão castigar os seus partidos por muitos anos. Um sem o outro afundam, um com o outro… depende. [A propósito: o PS marcou uma convenção para o dia em que a troika sai do País? E isso é para quê, para ninguém ver? Haja competência!].