Há 18 anos que o Leffest surpreende, trazendo a Portugal figuras que normalmente andam por outros circuitos. De David Lynch a Francis Ford Coppola, de Juliette Binoche a Bernardo Bertolucci, passando por Pedro Almodóvar, Laurie Anderson ou Don DeLillo. São muitos os ilustres convidados que por aqui passaram.
E tornou-se tão comum o Leffest ser uma chuva de estrelas que já ninguém se surpreende com o regresso ao festival de figuras como David Cronenberg, Leo Carax ou Elia Suleiman. O Leffest continua a ter essa dimensão, mas também conta com um extenso programa, de grande qualidade, que vai além do cinema, com outras manifestações artísticas e um espaço para debate e pensamento.
Comecemos pelo cinema. São muitas as antestreias que o festival nos proporciona. Este ano há uma aposta dos galardoados de Veneza para a dupla abertura do festival. O Quarto ao Lado, o primeiro filme em inglês de Pedro Almodóvar, com Tilda Swinton e Jullian Moore, Leão de Ouro em Veneza, será exibido no Tivoli. Em simultâneo, The Brutalist, o Leão de Prata, será exibido no São Jorge, com a presença do realizador, Brady Corbet.
O Quarto ao Lado, de Almodóvar, e The Brutalist, de Braddy Corbet, leões de Ouro e Prata em Veneza, vão abrir o Leffest, com sessões em simultâneo no São Jorge e Tivoli
Em competição estarão uma dúzia de filmes. Será a primeira vez que o público português terá a oportunidade de conhecer On Falling, filme escocês da portuguesa Laura Carreira, que tem feito um percurso notável por festivais, com prémios em San Sebastian e Londres. Também em competição, David Cronenberg regressa com The Shrouds, um filme que se refere indiretamente ao seu próprio luto pela morte da mulher.
O iraniano Mohammad Rasoulof apresenta o filme The Seed of the Sacred Fig, mais um retrato poderoso sobre os abusos de poder no Irão, do autor de O Mal Não Existe. Do Cambodja, chega-nos Rithy Panh para apresentar o filme Rendez-vous avec Pol Pot, uma ficção sobre um encontro com o ditador cambojano, nos anos 70.
Thierry de Peretti, que também estará presente no festival, propõe-nos um mergulho na história da Córsega, de onde é natural. E o belga Fabrice du Welz impressiona-nos com o thriller Maldoror.
De Leo Carax a Mia Couto
Fora de competição, muitas e variadas propostas. O icónico realizador francês Leo Carax está de volta ao festival para mostrar uma média metragem ensaística, C’est Pas Moi, respondendo ao um desafio do Centre Georges Pompidou.
O americano Billy Woodberry persegue a sua abordagem ao colonialismo português, desta feita com Mário, um retrato de Mário Pinto de Andrade, fundador do MPLA, pensador e ativista pan-africano. Por falar em África, o moçambicano Sol de Carvalho apresenta o Ancoradouro do Tempo, a partir de Mia Couto, e estará em conversa com o realizador no final da sessão.
O ator americano Viggo Mortensen mostra a sua nova aventura na realização, Até ao Fim do Mundo. Do Brasil chega Os Enforcados, um retrato do Rio de Janeiro, por Fernando Coimbra, filme que conta com o português Pêpê Rapazote.
Também em antestreia Longe da Estrada, de Hugo Vieira da Silva e Paulo MilHomens. A irreverente cineasta britânica Andrea Arnold não estará presente no festival, mas passa o seu último filme, Bird, em que retrata o sexismo num coming of age. A seleção oficial fora de competição conta ainda com as últimas obras de realizadores como Paolo Sorrentino, Jacques Audiard, Paul Schrdaer, Robert Zemeckis, Tim Mielants ou Audrey Diwan.
De Miguel Gomes a Michael Haneke
O Leffest faz três retrospetivas de realizadores. Destaca-se, naturalmente a de Miguel Gomes, até porque não havendo uma competição nacional, a presença de filmes portugueses limita-se a seleções pontuais para outras secções e a retrospetivas. De Miguel Gomes é-nos dada a observar a obra como um todo, desde as suas primeiras curtas-metragens ao recém estreado Grand Tour.
A descobrir, Jonan Trueba, realizador espanhol com métodos peculiares de trabalhar no cinema, fazendo dos atores co-argumentistas. Poderão ser vistas as suas oito longas. Também a descobrir, a obra de Patricia Mazuy, realizadora habituada a passar por grandes festivais, com seis filmes que mostraram um olhar sobre a fragilidade humana, com destaque para o recente La Prisonnière de Bordeaux, sobre as relações de classes e a emancipação feminina, com Isabelle Huppert e Hafsia Herzi no elenco.
De Michael Haneke, que ao contrário dos anteriores não tem presença marcada no festival, não é feita uma retrospetiva, mas algo, porventura, ainda mais interessante: passam obras inéditas do grande realizador austríaco, sobretudo trabalhos feitos para televisão. A propósito de televisão, haverá uma sessão especial de séries, com as últimas obras neste formato de Thomas Vinterberg e Ivo. M. Ferreira.
Fora das retrospetivas, o festival é feito de um sem número de ciclos e secções. Em Descobertas, como o nome diz, realizadores pouco conhecidos do público em que o festival aposta. É o caso da argentina Lola Arias, presente no festival, que apresenta Reas, que esteve em San Sebastian. Ou o chinês Jianjie Lin, também presente no festival, com Brief History of a Family, filme estreado em Sundance.
Pela Palestina
Numa altura em que o mundo sofre com a tragédia e os perigos de duas guerras de grande impacto, a secção “Imagens de Guerra, Guerra das Imagens” apresenta clássicos, como propostas de reflexão.
O genocídio do povo palestiniano vai ser focado no Leffest com um ciclo de cinema, uma exposição, uma sessão de poesia e um concerto solidário
Entre outros, passam obras maiores do cinema bélico, como A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo, A Barreira Invisível, de Terrence Malick; Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola; Ararat, de Atom Egoyan; Baionetas Caladas, de Samuel Fuller; Horizontes de Glória, de Stanley Kubrick; Noite e Nevoeiro, de Alain Resnais; Non, ou a Vã Glória de Mandar, de Manoel de Oliveira; O Couraçado Potemkine, de Serguei Eisenstein; Os que Sabem Morrer, de Anthony Mann; ou Um Adeus Português, de João Botelho.
Em complemento, está patente nas galerias do Liceu Camões, a exposição Guerra e Paz, com Fotografias de Marie-Laure de Decker e Noël Quidu,
O genocídio do povo palestiniano não passa incólume no Leffest com um programa especial multidisciplinar, que inclui um ciclo de cinema, com filmes de diferentes épocas, em que passa, por exemplo, Mahmoud Darwish: As the land is the Language, de Simone Bitton e Elias Sanbar (e ouros filmes de Bitton), ou Junction 48, de Udi Aloni, com a presença dos realizadores.
Além disso, está patente a exposição: In-Between, de Khaled Jarada, artista visual de Gaza; o concerto solidário de música erudita Make Freedom Ring, com angariação de fundos para a Médicos Sem Fronteiras – Fundo Regional para os Territórios Palestinianos Ocupados e países vizinhos, no Tivoli; e ainda uma sessão de poesia, no Teatro do Bairro.
Entre Kafka e Camões
A propósito de poesia, os 500 anos do nascimento de Camões são assinalados com leituras por jovens alunos do Liceu Camões e por atores, com música de JP Simões e Carlos Maria Trindade. E é exibido, em cópia restaurada, Camões (1946), de Leitão de Barros.
Também no campo da literatura, o centenário de Kafka é celebrado com um ciclo que inclui América – Relações de Classe, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub; Chacais e Árabes, de Jean-Marie Straub; Kafka vai ao Cinema, de Hanns Zischler; O Castelo, de Michael Haneke; O Castelo, de Rudolf Noelte; e O Processo, de Orson Welles; além do espetáculo Kafka – (un)musical ! (?), concebido por Nuno Vieira de Almeida, no Auditório do Liceu Camões.
Ainda há espaço para um ciclo dedicado ao cinema erótico, em que o grande destaque vai para o cineconcerto de Os Vampiros, o clássico do cinema mudo de Louis Feuillade (1915), musicado ao vivo pela Rodrigo Amado Unit. Passam também filmes como A Bela do Dia, de Luís Buñuel; Filme de Amor, de Júlio Bressane; Je tu il elle, de Chantal Akerman; O Rei das Rosas, de Werner Schroeter; Teorema, de Pier Paolo Pasolini; ou Não me Toques, de Adina Pintilie.
No meio disto tudo, há ainda sessões especiais, com filmes que não se encaixam em nenhum dos outros ciclos, como é o caso de Alice, de François Roussillon; Detritos de Amor, de Werner Schroeter; O Mal Não Existe, de Mohammad Rasoulof; ou O Cavaleiro da Rosa, de Robert Wiene, em versão cineconcerto, com a Orquestra Sinfónica de Lisboa dirigida por Pedro Amaral.
Na programação paralela, encontramos ainda um concerto de Bonga, o lançamento do livro O Lago da Criação, de Rachel Kushner; ou a gravação ao vivo do podcast Fashion Neurosis, pela designer de moda Bella Freud.