Neste álbum a personagem Menino Triste (“alter-ego” do autor) viaja até à Londres de 1976, testemunhando a génese do movimento “punk”. Cruzando referências históricas, experiências pessoais e homenagens, a riqueza de Punk Redux surge na mistura quase esquizofrénica de (micro)registos narrativos, divididos temporalmente entre o 1976 então vivido, e o 1976 hoje refletido. Nessa perspetiva só é pena que o autor não tenha trabalhado mais a relação entre a Londres “punk” e o Portugal pós-revolucionário, duas realidades em estádios distintos de descoberta e experimentação.
Defendo há muito que os defeitos de qualquer coisa (obra, característica pessoal, opção profissional) são equivalentes às suas qualidades, só mudando a perspetiva através da qual são avaliados. É certo que todos os livros de O Menino Triste são assumidamente autobiográficos, mas a classificação tem um alcance limitado em si mesma. O volume anterior (A Essência) era feito de reflexões e momentos breves, fazendo com que por vezes não coalescesse como um todo, e abusasse de algum onirismo não dirigido. Punk Redux é mais pessoal, direto, focado. Mudanças sutis no próprio desenho reduzem a dimensão caricatural e sublinham a veemência no tom, destacando-se o uso de tramas. Por exemplo: se a utilização de perspectivas menos canónicas (vistas de cima e de baixo, vinhetas “inclinadas”), habitual em Mascarenhas, ajudava a definir o surrealismo poético fulcral em A Essência, aqui o mesmo dispositivo gráfico vinca as urgências da revolução. Resumindo: em Punk Redux a personagem Menino Triste assume-se mais como “ego”, não tanto “alter”. Não é por isso de estranhar que o autor gira por vezes mal o distanciamento, e mescle humor ligeiro com um realismo duro. Ou que a voz “passada” alterne entre a ingenuidade surpreendida do turista, a audácia do participante, a neutralidade do historiador; e que o seu contraponto “presente” deixe escapar um misto de amargura, nostalgia e racionalização por entre reflexão. Desse ponto de vista alguns dos relatos autobiográficos mais interessantes em BD são aqueles que, por não se assumirem totalmente (e não serem trabalhados) enquanto tal, deixam escapar o autor por entre as fendas. Como este.
A mensagem final implícita em Punk Redux é porque motivo o ciclo nunca se quebra; no sentido em que um dos resultados de um movimento revolucionário seja a necessidade subsequente de criar um outro movimento, distinto, mas com o mesmo programa-base. Com a ignorância histórica ingénua da nova geração (“este movimento é totalmente diferente dos outros”) a dar as mãos à cegueira seletiva igualmente ingénua da geração precedente (“mas o nosso movimento resolveu quase tudo, já não há razão nenhuma para isto”!). Há de haver uma outra maneira de… Esqueçam, é deprimente, preciso de um copo. Leiam O Menino Triste, a culpa não é dele.
O Menino Triste: Punk Redux. Argumento e desenhos de João Mascarenhas. QualAlbatroz, 48 pp., 10 Euros.