Quem conhece um pouco que seja o método de trabalho do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) percebe o significado das quase 4 000 páginas da primeira parte (dedicada aos fundamentos científicos) do Sexto Relatório sobre o estado das alterações climáticas a nível planetário. A dureza do seu conteúdo prova a robustez dos fundamentos que levaram todos os envolvidos, incluindo os diplomatas e representantes de sectores económicos, a dar a sua aprovação a um documento que apresenta uma visão muito sombria do futuro longo, como num quadro em que a variedade cromática fosse apenas entre o negro total e cambiantes de cinzento muito escuro. Para o ano serão publicados mais duas partes (sobre impactos e mitigação) e em setembro de 2022 será publicada a versão completa do Relatório.
Continuando por este caminho – e olhando para o aumento exponencial na procura mundial de carvão em 2021, nada nos parece indicar a viabilidade de uma eficaz mudança de rumo – a desordem e o caos ajudarão a tornar inabitáveis largas áreas geográficas da Terra. Se tivéssemos iniciado um caminho alternativo há três décadas e meia, quando já sabíamos o que é fundamental saber para arrepiar caminho, poderíamos com escasso esforço e de modo bastante suave ter evitado o que agora, mesmo em passo de corrida e com enorme investimento, pode apenas ser ligeiramente atenuado, ou atrasado (como é o caso da inevitável subida do mar ao longo dos próximos séculos).
As consequências deste fenómeno único na história humana em que o chão do futuro é roubado às gerações vindouras pela sofreguidão, incontinência e desmesura – sobretudo de quem tomou decisões a partir do segundo pós-guerra, quando começou o período da Grande Aceleração que está neste momento a atingir o ponto de rutura – demorarão ainda alguns anos a serem inteiramente compreendidas em todos os seus azimutes, da economia e política, à educação, ética, religião e cultura num sentido amplo.
Será que o mecanismo das alterações climáticas é assim tão complexo, tornando por isso difícil perscrutar os laços causais que a elas conduziam? Não, pelo contrário. Podemos fazer disso uma espécie de contraprova ao analisarmos um relatório da CIA publicado em Agosto de 1974, na altura um documento reservado, sobre o estado da arte da climatologia, com o seguinte título: “A Study of Climatological Research as it Pertains to Intelligence Problems” (acessível na www).
O documento de 38 páginas, e com quase 50 anos, reflete um período em que uma parte da então pequena comunidade científica que estudava as questões climáticas estava ainda dividida entre aqueles que prevaleceram (a escola que é hoje absolutamente hegemónica e que defende serem as emissões antropogénicas de gases de efeito de estufa a força motora das mudanças climáticas), e os que consideravam estarem as alterações climáticas associadas a um processo natural (sem interferência humana) de entrada num novo período frio.
Não seria necessariamente o início de uma nova idade glaciar, mas, eventualmente, a repetição de um episódio como aquele que ficou conhecido como a “pequena idade do gelo”, sobretudo num período mais sensível entre 1600 e 1850. A CIA estava preocupada com as consequências que a mais do que provável quebra da produção agrícola iria causar na segurança interna de muitos países, incluindo no sistema internacional.
Na verdade, a escola das alterações climáticas no sentido do arrefecimento é hoje uma relíquia de arqueologia científica, batida pela força dos dados empíricos e pela solidez teórica dos modelos da teoria das causas antropogénicas. O Relatório da CIA consegue o prodígio de abordar alterações climáticas sem falar em dióxido de carbono, nem se preocupar com a mudança da estrutura química da atmosfera iniciada com a Revolução Industrial. Contudo, toda a física fundamental explicativa das alterações climáticas antropogénicas foi produzida durante o século XIX e culminou num artigo seminal do genial químico sueco Svante Arrhenius, publicado em 1896.
O negacionismo das alterações climáticas antropogénicas não tem qualquer relação com uma suposta complexidade da sua causalidade, mas, pelo contrário, é a sua simplicidade causal – que convoca também uma culpabilidade ética para uma elite de decisores e uma inumerável multidão de indiferentes voluntários – que as tornam impopulares para aqueles que por elas se sentem visados.
Adão e Eva foram expulsos do Paraíso pelo primeiro ter mordido uma maçã. Nós iremos, com elevada probabilidade, entrar agora num período infernal da história humana porque mordemos a maçã embriagante dos combustíveis fósseis, que nos deram asas durante algum tempo, até começarmos a cair por terra. Não consta que Adão se tenha dado por culpado do destino a que a sua gula conduziu. Não existe nenhuma base sólida para acreditar que o segundo Adão, o que tem a boca manchada de crude, tenha uma qualidade moral superior ao velho Adão, apreciador de maçãs. Bem pelo contrário.