Os cenários que surgem após um incêndio parecem-se com os de uma guerra. São pintados de destruição e exalam um odor a cinza que se entranha. Mas também conseguem ser insólitos, pelo que acaba por sobreviver às chamas. No entanto, ninguém está preparado para ver uma escola quase centenária totalmente no chão, nem para encontrar pequenos bibes intactos ainda pendurados nas costas das cadeiras do refeitório. Ou ver escovas de dentes meio derretidas, colocadas, como se a rotina não tivesse sido interrompida, nos respetivos copos identificados com os nomes das 21 crianças que antes aqui corriam e brincavam livremente.
O arquiteto Diogo Freire de Andrade, 54 anos, ainda não viu nada disto, nem sequer os desenhos de traço infantil que se aguentaram nas poucas paredes de pé. Aliás, nunca tinha estado em Midões, porque nada o liga a este lugar do concelho de Tábua conhecido pelas suas casas senhorais. Há que mudar o tempo verbal para sermos mais corretos: nada o ligava, porque logo a seguir ao fatídico dia deste incêndio sem igual, uniu para sempre os seus desígnios aos desta terra.
Foi ainda em Lisboa que aceitou o desafio do seu amigo Pedro Vicente, diretor geral da Level Constellation e membro da Associação Portuguesa dos Promotores Imobiliários e Investidores. Depois de ouvir nas notícias que o fogo teria acabado com a escola de Midões, este advogado dedicado agora à gestão sentiu que precisava de ajudar e pediu auxílio aos seus amigos com profissões ligadas à reconstrução. É aqui que entram o arquieto Diogo Freire de Andrade e o engenheiro de estruturas Pedro Palma, 37 anos, que agora vemos juntos na escola, de planta em punho, a ouvirem Ana Beatriz Neves, 54 anos, a única educadora do infantário.
Antes de conhecerem o espaço que vão recuperar totalmente pro bono, os dois já viram fotografias do edifício com certidão de nascimento dos anos 1930. E depressa descobriram que o mais lógico será manter a escola como ela estava, acrescentando-lhe apenas algumas adaptações funcionais e recorrendo a materiais modernos.
Ana Beatriz aproveita para pedir pequenas alterações, pormenores como uma bancada para os meninos lavarem as mãos depois daqueles trabalhos manuais que deixam marcas de sujidade. “Vamos ficar melhor e ter uma vida mais cómoda aqui dentro”, acredita a professora dos meninos entre os 3 e os 6 anos que se espalhavam pelas duas salas de aula do piso inferior.
A estrutura de alvenaria está em bom estado, precisa apenas de um reforço. A cobertura vai ter de ser toda recuperada, e por dentro nada se aproveita, nem a escada que já não nos leva a nenhum lado – o segundo piso ruiu completamente, embora ainda se veja um candeeiro preso ao teto lá de cima. “Isto vai ser uma navegação à vista, cheia de surpresas. Só com o decorrer da obra é que se descobrirá ao certo aquilo que se pode aproveitar”, diz o arquiteto, que promete entregar o seu projeto na Câmara já a 23 de novembro, dia de reunião da Assembleia Municipal. Mesmo dando gás ao processo, estima-se que antes de sete ou oito meses as portas não se voltem a abrir para aqui entrarem crianças.
Ana Beatriz não está descontente com o prazo, porque assim os seus alunos não sofrem novamente com mudanças bruscas no percurso deste ano letivo. E depois, quando estiverem todos aqui outra vez, tratarão dos espaços ao ar livre, porque nessa altura as árvores agora queimadas terão tido tempo de renascer. E ainda haverá bolotas no chão para eles brincarem.
“Esta oferta de reconstrução foi arrepiante. Devolveu ânimo à população que no dia seguinte ao incêndio se reuniu toda aqui no largo da escola, porque ela é de todos nós.”
Com o objetivo de ajudar na compra de materiais que sirvam para reerguer o edifício, a Câmara de Tábua abriu uma conta solidária onde todos podem depositar o seu donativo: A Escola de Todos Nós: NIB 0045 3454 4029 3467 1971 3.