“Cozinhar é um bom descanso, depois do trabalho. Financeiramente, nem percebo como é que as pessoas aguentam tantas encomendas de fast food”

“Cozinhar é um bom descanso, depois do trabalho. Financeiramente, nem percebo como é que as pessoas aguentam tantas encomendas de fast food”

Niki Segnit estava de férias, não na Escócia, onde gostaria de ter ido com a família para passar uns dias descansada, mas no Sul de França, a aproveitar o bom tempo desta estranha primavera. Mesmo assim, e deixando o marido e os filhos gémeos, de 9 anos, em standby, acorreu a falar com a VISÃO, ao telefone, sobre o seu mais recente livro, O Dicionário dos Sabores, Mais Verde (Lua de Papel, 542 págs., €22). Trata-se de uma sequela do seu primordial O Dicionário dos Sabores, editado em 2011 – que ganhou o Prémio André Simon e o galardão Guild of Food Writers para a Melhor Estreia –, mas poucos personagens se repetem. Há alguns ingredientes, como chocolate, tomate ou limão, que voltam à baila, por serem incontornáveis, mas sob abordagens muito diferentes. Entre um livro e o outro, passou-se mais de uma década (pelo meio, saiu Lateral Cooking, sem edição por cá). Não admira: a investigação para estas obras absorveu-a durante três anos, da primeira vez, e quatro assim que voltou à carga. Quando lhe perguntamos a idade, gagueja, antes de responder, indagando: “Tenho mesmo de dizer? Cheguei àquela altura em que já não apetece assumir quantos anos temos.” Passamos à frente na conversa, que há coisas mais importantes para descobrir neste maravilhoso mundo dos ingredientes culinários e das suas mirabolantes combinações (e a idade há de surgir quando menos se espera). Abramos a imaginação, que para a inglesa Niki Segnit, a viver em Londres, e algo desgostosa com os hábitos dos seus conterrâneos, a frase “o céu é o limite” não é exagerada. Ou o que dizer do par chocolate-beringela?

Porque precisou de 12 anos para voltar a editar um dicionário de sabores?
Quando acabei o primeiro livro, comecei a escrever outro que tinha mais a ver com as formas de nos tornarmos mais elásticos na cozinha. No Lateral Cooking recorri a imensas receitas de todo o mundo e mostrei a forma como elas eram, no fundo, muito similares umas às outras. Foi um livro muito complicado de fazer, mas estou orgulhosa dele. Pelo meio, tive gémeos, numa gestação tardia – fiz 40 quando estava grávida. Por aqui, já pode ver que idade tenho [Risos].

Tudo isso fez com que não ouvisse as preces dos seus leitores para uma sequela d’O Dicionário dos Sabores?
Sim, mas no dia em que, depois de acabar o Lateral Cooking, fui beber um copo com o meu marido (tínhamos arranjado babysitter), tudo mudou. Não tinha a mínima ideia de o fazer, mas naquele momento a vontade surgiu e assumi que realmente queria escrever acerca de todos os sabores que haviam ficado de fora do primeiro volume. Cheguei a casa e comecei logo a fazer uma lista. Rapidamente cheguei perto da centena de ingredientes.

Estava convencida de que ia demorar menos tempo a escrevê-lo do que o anterior?
Pois, só que não foi nada fácil. Achava que ia encontrar mais fontes curiosas acerca dos ingredientes, mas enganei-me. Levou tempo a descobrir coisas interessantes para dizer acerca dos sabores, que servissem as pessoas.

E agora, vai haver o terceiro volume?
É possível, este livro é completamente novo, não se trata de uma revisão do outro. Tem 62 sabores inéditos e só 26 são do antigo livro. Só que ainda me faltam algumas combinações, porque fiquei sem tempo, para ser honesta. Seguramente, preciso de um intervalo porque estas obras são projetos muito intensos.

Quantos anos levou a investigar desta vez?
Quatro anos, no anterior havia sido três. Desta vez, tinha os meus filhos em casa. Num momento, estava imersa no sabor do caju ou do pistácio, no seguinte, dedicava atenção aos gémeos. Não se trabalha muito nestas circunstâncias.

Até 2011, não era nem uma escritora nem uma cozinheira. Porque decidiu entrar nestes universos?
Provavelmente, pela mesma razão que muita gente muda de vida, por pensar que ia ser tudo diferente. Trabalhava numa grande agência de publicidade com clientes de marcas ligadas à alimentação e às bebidas, a que me dediquei nos últimos anos em que lá estive. Nessa atividade, já estava envolvida no mundo dos sabores. Também tirei um curso de vinhos, que tinha tudo a ver com provas e paladares. As coisas começaram a apontar para essa direção. Era – e sou – uma leitora intensiva, o que também é muito importante para um livro como este.

Tem, por isso, bem clara a diferença entre gosto e sabor, nomes que muitas vezes são confundidos. Pode explicá-la?
Quando pensamos em gosto, é o que começamos a sentir na língua: azedo, doce, salgado, amargo e umami. O sabor, por seu lado, usa essencialmente o sentido do olfato e dá-nos informação mais precisa sobre os alimentos, permitindo-nos adjetivá-los de metálicos ou com notas de madeira, por exemplo. A melhor forma de os distinguir é pensar que quando estamos constipados conseguimos identificar o gosto, mas não o sabor, porque temos o olfato afetado. Ficamos privados do perfume da comida, de a apreciar.

Este livro nasceu para ser vegan, mas a meio do processo mudou de ideias e ficou apenas “mais verde”. Porquê?
A área da cozinha vegan é muito específica, muito exigente – penso que será por isso que existem tantos livros para esse tipo de culinária. Nas entradas que dou aos ingredientes, as receitas são explicadas de forma simples, não dá para entrar em pormenores, ou perder-se-ia a minha voz. Tanto quanto sei, as pessoas para quem escrevo são amantes de comida, que adoram cozinhar em casa. Apenas uma pequena percentagem delas é vegan. Por isso, decidi acrescentar produtos vegetarianos (não vegan), como ovos, queijos ou mel. Em cerca de 900 combinações, tem de haver sempre quem goste de algum dos ingredientes.

Mas não há carne nem peixe no livro?
Não existem como entradas neste dicionário, mas estão integrados nalguns textos. Nunca sugiro ao leitor que não coma carne ou peixe, mas realmente gosto da ideia de não os tratar como se fossem a única comida importante e os vegetais como se fossem inferiores. Prefiro inverter essa lógica, presente também nos menus dos restaurantes ou nos livros de culinária.

Chegámos a um ponto em que há muita gente que gosta de cozinhar e provar comida vegetariana, mesmo que não o faça em exclusividade. Não é só por ser bom para a saúde ou para o planeta, mas porque pode saber realmente bem

Deve haver uma explicação antropológica para isso…
Com certeza. Mas agora chegámos a um ponto em que há muita gente que gosta de cozinhar e provar comida vegetariana, mesmo que não o faça em exclusividade. Não é só por ser bom para a saúde ou para o planeta, mas porque pode saber realmente bem.

Pensa que a dieta flexitariana [comer tendencialmente produtos vegetais, sem excluir ocasionalmente carne ou peixe] é a opção mais inteligente?
Não posso dizer que seja a mais inteligente porque se trata da forma como eu e a minha família nos alimentamos e ficava-me mal… [Risos.]

Se calhar, inteligente não foi o melhor adjetivo escolhido.
Sim, é, porque há muito mais escolha e variedade. Pensemos, por exemplo, nas coisas bonitas que podemos fazer com feijões ou na forma diversificada de usar as aromáticas. A carne, por seu lado, pode tornar a cozinha um pouco preguiçosa. Durante um escasso tempo da minha adolescência, fui vegetariana, sem cozinhar, e dei por mim, a maior parte do tempo, a comer mal.

Porque desistiu?
Porque senti falta de algumas coisas, como o peru assado do Natal ou o salame italiano [Risos].

Defende que temos de ser mais criativos na cozinha. Para passarmos a comer mais refeições caseiras em vez das opções pré-cozinhadas?
Encontrei muita investigação a provar que aquilo que comemos, como vai para o intestino, a partir daí afeta toda a nossa saúde. Sinto-o perfeitamente, pois de cada vez que passo alguns dias a alimentar-me pior, ressinto-me imediatamente. Fico logo com outra produtividade, a minha saúde mental e física sai afetada. Acreditem: o processo de cozinhar torna-se muito relaxante, desde que seja encarado como um tempo para pensar, ouvir rádio ou música. É um bom descanso, depois de um dia difícil de trabalho. Financeiramente, nem percebo como é que as pessoas aguentam tantas encomendas de fast food – só vejo bicicletas pela cidade, a fazerem entregas.

Muitas vezes, a desculpa é a falta de tempo.
Tenho dois filhos pequenos, bem sei do que se trata. Mas há sempre uma saída.

Lê e segue livros de cozinha?
Tenho uma enorme seleção de obras acerca de sabores. E gosto quando o escritor me leva a algum lado. É um talento. Muitas vezes, as receitas não estão bem explicadas, pois parte-se do princípio de que os leitores sabem do que se fala, mas eles podem ter falta de confiança nas suas habilidades culinárias.

Outra mensagem que gosta de passar com os seus livros é a de evitar deitar tanta comida fora. O desperdício alimentar é uma das suas batalhas?
Sou mesmo boa nisso. Poderia ter uma medalha de ouro.

O que faz para merecer essa medalha?
Por exemplo, todos os domingos me sento em frente ao frigorífico, vejo o que lá está e faço um plano do que vamos comer nessa semana, à volta dos ingredientes frescos, de forma a que nada seja deitado fora. Quando estava na agência, via que a maioria das pessoas ia a uma grande superfície, comprava imensa coisa, sem planos, e no final da semana muita dessa comida ia parar ao caixote do lixo. Infelizmente, hoje ainda há muita gente a abastecer-se assim. E não percebo como, porque no Reino Unido o preço dos ingredientes subiu tanto nos últimos 18 meses… Lá, a maioria dos produtos está embalada, nas quantidades que eles querem que compremos. Aqui em França, compro o que quero, a granel. É muito deprimente deitar comida fora, não acha?

Não faz sentido.
Soa um bocadinho a louco e é um desperdício de dinheiro que não se compreende. Está fora de moda.

Por norma, os vegetais são mais desperdiçados do que a carne ou o peixe…
Porque as pessoas valorizam mais a carne ou o peixe. Se estiver um pedaço de carne ou de peixe no frigorífico, sabem que têm de o consumir, até porque foi mais caro.

Prova todas as combinações que apresenta no livro?
Diria que 90% delas.

Envolve a sua família e os seus amigos nas provas?
Claro, como poderiam escapar? [Risos.] É importante fazer isso nas refeições de família, para podermos partilhar aquilo a que sabem as combinações, o que nos fazem lembrar, o que cada ingrediente provoca no outro. As crianças estão a ficar muito boas nisso. Às vezes, até achamos que não gostamos de determinado produto, mas ao trabalhá-lo descobrimos que afinal sabe bem. É outra finalidade do livro: expandir o nosso gosto.

Qual é a combinação menos surpreendente do seu livro?
Feijão-verde com tomate. Acabou por ser importante para mim, pois dizia que odiava feijão-verde. Experimentei pô-lo numa panela com tomate, cebola, alho e azeite, durante mais de uma hora e meia. Depois disso, ganhou um sabor completamente diferente e dessa forma já gosto de o comer. É só experimentar.

E a mais bizarra?
Chocolate com beringela, uma sobremesa usual em Itália, que sabe a panqueca. Ou iogurte e cominhos, mistura que se bebe muito na Índia e a que chamam Lassi.

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