António Brandão de Vasconcellos é chairman da consultora Everis, uma multinacional ligada ao grupo NTT Data que oferece soluções de negócio, desenvolvimento e manutenção de aplicações tecnológicas em 16 países. Esta consultora é parceira, tal como a escola de negócios AESE, do Prémio Melhores Empresas para Trabalhar, promovido pela revista EXAME. Com vasta experiência na área de Recursos Humanos, o gestor fala da importância que têm, para as empresas, as medidas de satisfação dos colaboradores no local de trabalho, referindo que as entidades laborais de vanguarda tendem a fazer “os maiores esforços possíveis para conseguirem atrair e reter os melhores talentos, porque sabem que disso depende o seu futuro”. Contudo, em Portugal, há ainda muito caminho a percorrer.
Como avalia as empresas portuguesas em relação às boas práticas de Recursos Humanos? Diria que este segmento do mercado tem evoluído nos últimos anos?
É muito difícil fazer uma avaliação global de todas as empresas portuguesas, porque, dentro deste espectro, temos extremos muito marcados. Ou seja, no tratamento das pessoas e da importância que dão ao tema, temos empresas que, concorrendo até em concursos internacionais, se classificam no topo, outras que são referência em termos internacionais, e dão origem a casos de estudo, e temos por outro lado empresas em que ainda se pensa um pouco como se estivéssemos em meados do século XX e em que as pessoas precisam de pedir autorização para tudo, ou que não têm liberdade – algumas não têm contratos, inclusivamente. Portanto, acho que existem os dois extremos.
E é possível estabelecer alguma comparação com outros países europeus, como a Espanha, a França? Como se situa Portugal face, por exemplo, ao Norte da Europa?
Nas empresas de topo, eu diria que não há grandes diferenças. Quando digo “topo”, refiro-me às empresas consideradas as que tratam melhor as suas pessoas, e acho que, neste grupo mais restrito, não há diferença entre as empresas portuguesas, espanholas, francesas ou nórdicas. Nas restantes, sejam mais ou menos complexas, tradicionais ou sofisticadas, ainda há, em Portugal, um grande trabalho a fazer, sendo a diferença existente mais notória com os países nórdicos ou com a França do que propriamente com a Espanha.
É visível uma maior preocupação dos empresários nacionais com a satisfação dos seus colaboradores no local de trabalho?
É, sem dúvida alguma. Esta é visível principalmente nos setores em que as pessoas são a componente mais importante da cadeia de valor. Nós estamos a passar por uma fase em que os Recursos Humanos, em Portugal, são escassos em diversas áreas, pois temos uma grande fatia da população envelhecida e pouca população jovem. Ainda por cima, parte dela resolveu emigrar e continua a emigrar, por diversos motivos. Consequentemente, as empresas que têm as pessoas com um papel relevante na sua cadeia de valor revelam cada vez mais preocupação com estes temas e estão, efetivamente, a melhorar, tentando fazer de tudo para atrair e reter o talento.
Há também uma maior perceção das vantagens associadas a esta preocupação crescente? Ou seja, são vistas como um investimento com retorno – ou nem por isso?
É que não há outra alternativa. Se uma empresa precisa de Recursos Humanos e não os trata bem, então ela está a dar cabo do seu próprio negócio. Esta preocupação traz retorno evidente. Se calhar até podemos pensar ao contrário, ou seja, e se não o fizer? Se não o fizer tem um grave problema de negócio.
Que empresas estão mais vocacionadas para aplicar medidas de satisfação no local de trabalho? As grandes multinacionais, com anos de experiência nesta área, ou cada vez mais as PME e as startups?
Eu não dividiria esta questão por categorias. As empresas multinacionais têm mais anos de experiência nesta área, é certo, mas eu não as dividiria assim, uma vez que há PME fantásticas e PME péssimas, que há startups ótimas e startups mais ou menos… e temos também multinacionais muito boas e outras, nem tanto. Eu diria mais que há empresas em que a liderança entende que as pessoas são o seu bem mais importante, e há outras que entendem que as pessoas são apenas um dos componentes, que podem ser substituíveis e que são descartáveis. Acho até que a grande diferença está mais na forma como a liderança olha as pessoas do que na dimensão ou no tipo de empresa.
Já que fala em multinacionais, estas organizações, sobretudo norte–americanas, que se instalaram em Portugal nas últimas décadas, têm contribuído para este tipo de divulgação e replicação de boas práticas, devido à sua experiência na casa-mãe?
Claro que sim, acho que a existência de multinacionais em Portugal tem contribuído muito para esta mudança. São empresas que passaram por todas estas questões de ter de atrair os melhores Recursos Humanos nos diversos países onde estão presentes e que, como tal, melhoraram as suas práticas quer a nível global quer a nível local, transmitindo-as depois aos vários países, contribuindo significativamente para elevar o nível que outros players têm também de atingir.
E os prémios, como o das Melhores Empresas para Trabalhar em Portugal, também ajudam para esta divulgação? Há até filiais nacionais que são as melhores dentro do seu grupo.
Eu acho que ajudam muitíssimo, e por várias razões. Primeiro, porque põem este tema na agenda. Mesmo pessoas que não são responsáveis por empresas ou que não trabalham na área de Recursos Humanos, veem estes prémios, e os seus resultados, e conversam entre si, passando a ter em atenção o fator “Melhor Empresa para Trabalhar” como ponto de satisfação, de comparação entre profissionais ou de seleção de futuras oportunidades de carreira. Além disso, no caso concreto do prémio das Melhores Empresas para Trabalhar, da Exame, Everis e AESE, o relatório que é feito e entregue a cada uma das entidades participantes – que contém toda a informação agregada com o estado atual de satisfação da sua empresa em comparação com o ranking das 100 melhores – é um contributo muito grande para que estas possam melhorar os pontos identificados como mais fracos e ajustar as suas políticas de acordo com os resultados desse estudo.
E por setores de atividade, há alguns que se distingam mais do que outros neste tipo de medidas? As tecnológicas, por exemplo, que competem pelos melhores, necessitando de medidas extra para a retenção de talento?
É um facto que quem precisa de medidas extra de retenção de talento está mais atento a estes problemas e põe esta questão no topo das suas prioridades. Isso é evidente. Mas também não podemos considerar que é o único fator, e voltava um pouco à questão da liderança, pois há empresas que não têm preocupações tão grandes no que diz respeito à retenção de talento, mas que, pela sua liderança, dão importância à dignidade dos seus trabalhadores, tratando-os como pessoas e não como recursos, e que também se distinguem nesta área.
Sente-se, de alguma forma, que há mais necessidade de as empresas portuguesas reterem e atraírem cada vez mais o melhor talento para serem bem-sucedidas? Nomeadamente para uma boa internacionalização?
Há uns anos, a Everis fez um estudo sobre o talento, e uma das mais interessantes partes desse estudo está, logo no início, quando se define o que é talento. E, de facto, talento todos temos, não é uma coisa absoluta que só alguns têm. E, portanto, este fator depende de cada tipo de empresa, de que talento esta necessita – se de talentos diferentes e de pessoas diferentes. Agora esses têm de ser retidos, porque todos os talentos atualmente em Portugal são escassos. Se a empresa quiser internacionalizar-se, então a questão agrava-se. Quer seja para países mais ou menos desenvolvidos do que Portugal, são necessários profissionais com boas competências técnicas e comportamentais, e a empresa tem de ter capacidade para os atrair.
Estas medidas de Recursos Humanos têm também impacto nesse mesmo processo de internacionalização, sobretudo para países onde as exigências a este nível são maiores?
Claro que sim, principalmente para os países em que as exigências são maiores, de facto.
Quais os principais “mandamentos” das empresas que são consecutivamente consideradas boas para trabalhar? Do que nunca prescinde este grupo de empresas?
“People First”– pôr sempre as pessoas em primeiro. Este é o pilar fundamental para a construção de uma boa empresa para se trabalhar.
A aplicação deste tipo de medidas é, de facto, uma exigência dos tempos modernos, um fator diferenciador num futuro cada vez mais competitivo e exigente? As empresas do futuro têm mesmo de adotá-las para sobreviver?
De uma forma mais global, há atualmente diversos movimentos que tendem a obrigar as empresas a tornarem-se mais atrativas, para que a sua retenção seja também maior. Se olharmos para os espaços de trabalho, por exemplo, estes têm vindo a sofrer profundas mudanças, e hoje vemos escritórios que não têm um “ar de trabalho” e nos quais se procura recriar ambientes que conjuguem trabalho com conforto, para que as pessoas se sintam bem. As empresas de vanguarda tendem a fazer os maiores esforços possíveis para conseguirem atrair e reter os melhores talentos, porque sabem que disso depende o seu futuro. Todas as outras, para poderem continuar a atuar e a crescer, vão ter de passar a dar atenção a estes temas. As que não o fizerem, mesmo em setores mais tradicionais, vão acabar por perceber que o seu negócio será tanto melhor e mais rentável quanto a qualidade das pessoas que consigam atrair e reter na sua organização.