“Fui enganado!” O lamento em tom de brincadeira saiu da boca do presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, quando chegou finalmente junto de todos aqueles que o esperavam para inaugurar, oficialmente, a 65ª exposição World Press Photo, que pelo segundo ano consecutivo está montada no Parque dos Poetas, uma obra que leva o carimbo dos seus mandatos municipais.
“Disseram-me que era para começar a ver as fotografias de baixo para cima e por isso entrei por aquela porta”, aponta lá para o fundo, para uma das entradas do parque, em situação diametralmente oposta ao microfone preparado para aumentar o som do seu discurso improvisado, que tardou cerca de 15 minutos.
E afinal, onde se situa o ponto de partida? Segundo o curador Raphael Dias e Silva, brasileiro, a viver na Holanda, onde fica a sede da fundação que há 65 anos organiza este concurso, é mais ou menos aleatório, mas tudo aponta para que a visita se inicie junto ao quiosque, onde está a foto do ano, que pela primeira vez não tem uma figura humana (e pela segunda é assinada por uma mulher).
Neste ponto de partida, questiona-se também que tipo de ano foi o de 2021, chegando à conclusão de que a preocupação com a crise climática esteve sempre presente, assim como a questão dos direitos humanos. Acrescente-se que a fundação World Press Photo continua muito focada nas liberdades de expressão e de Imprensa, como bem haveria de lembrar Raphael no seu sotaque brasileiro para quem estava a ouvi-lo. “Sem elas, não é possível realizar estas imagens.”
A inauguração oficial, já se disse, esteve em suspenso até perto das seis da tarde, hora em que o presidente da câmara surgiu lá de baixo, embasbacado com o que viu. “São sobretudo fotos que gostaria de ter tirado”, graceja, revelando mais uma vez a sua paixão por esta arte. “Fiz muita fotografia durante a guerra colonial em Angola. Só me deixei disso quando vim para a câmara.”
Mesmo antes da inauguração oficial ainda não tivesse acontecido, e aproveitando o sol inesperado numa tarde que se imaginava molhada, já havia muitos entretidos por entre os 14 painéis expositivos, em forma de cubo. Via-se gente a correr, que se distraía a deitar o olho de esguelha, pais com filhos em passeio de final de dia, alguns com bicicletas pela mão, e vários convidados a aproveitarem a ocasião, antes dos discursos e do beberete com vinho de Oeiras, para apreender um pouco do mundo, ao ar livre.
“Isto não é uma exposição contemplativa”
Isaltino Morais não se cansou de agradecer à VISÃO por ter bisado neste espaço, pois ainda tem bem presentes as memórias do ano passado em que o jardim foi finalmente apropriado pela população, obrigando até a um prolongamento do prazo da exposição.
Mafalda Anjos, diretora da revista que há 21 anos traz o resultado deste concurso para Portugal, depois de concordar com esta lembrança, lança os números que sempre impressionam: Este ano, foram analisadas 64 823 fotografias, captadas por mais de quatro mil fotojornalistas de 130 países. Os eleitos terão o seu trabalho exposto em 80 cidades de 40 latitudes. O objetivo, nota Raphael, é o de em breve voltarem aos números pré-pandemia, quando em 2019 chegaram a 120 poisos em todo o globo.
“A World Press Photo não é uma exposição contemplativa. Aqui, as fotografias contam uma história e é indispensável lerem-se as legendas. Todos seremos tocados de maneira diferente nesta volta ao mundo e, no fim, teremos obrigatoriamente de ter aprendido alguma coisa”, realça Mafalda Anjos. Quem embarcar nesta viagem, avisa-se já, terá de contar com um longo passeio no parque.
Quando chega a vez de o curador se apropriar do microfone, aproveita o momento para assinalar as novidades deste ano. A principal é a queda das categorias e a passagem para um modelo regional. Em cada uma das áreas do globo – América Latina, América do Norte e Central, África, Sudeste Asiático e Europa – criou-se uma bolsa de pessoas entendidas que formaram um júri. Em cada região, foram atribuídos quatro prémios – foto única, reportagem, projeto de longo prazo documental e formato aberto (pela primeira vez aqui se permite que a imagem seja manipulada, dando espaço à criatividade). O júri global é formado por cada chefe regional que escolheu histórias efetivamente diversas.
“Quisemos mais diversidade de vozes e vozes locais. Com este novo formato, tentámos encorajar outros profissionais a concorrer, além dos europeus que ainda representam cerca de metade dos candidatos. Conseguimos aumentar em 15% a representatividade de África e em 20% do sudeste asiático”, explica Raphael Dias e Silva. Este ano não houve nenhum fotojornalista nacional entre os vencedores.
A tecnologia também chegou à World Press Photo – existe um QR code para descarregar uma visita guiada virtual e gratuita, em 10 línguas diferentes (o português ficou de fora). Na versão inglesa, é o próprio fotógrafo que faz a descrição da situação em que a imagem foi imortalizada, o que torna esta experiência, no meio da “fauna e da flora” de que falou Isaltino Morais, ainda mais imersiva.