Com o advento da pandemia de COVID-19 o mundo mudou muito e mudou rapidamente. Os hábitos, a economia, os planos nas nossas agendas e as relações humanas tiveram alterações substanciais, à escala global. Também a Investigação Científica foi sujeita a enormes alterações, não só na forma como foi afetada pelo encerramento dos laboratórios e pelo teletrabalho, por exemplo, mas, sobretudo, pela forma como ficou exposta ao domínio público. Tipicamente uma atividade recatada, mais escrutinada por pares do que pela população ou comunicação social, e relativamente distante do olhar atento do ‘grande público’, a investigação científica foi colocada sob os holofotes e sobre ela recai a expetativa de uma solução para a pandemia, seja na forma de vacinas, medicamentos, ou novas tecnologias. Repentinamente, espera-se da Investigação Científica resposta pronta, eficaz e visível, em contraste com a sua natureza meticulosa, de confirmações recorrentes e seguras, e, portanto, lenta nos padrões mediáticos da comunicação da atualidade. Especialmente no caso de investigação em Saúde, compreende-se que assim seja: “Com a Saúde não se brinca” e “Depressa e bem não há quem”, como dizem as expressões populares, sem que a Investigação Científica tenha salvo-conduto nestas regras.
É com alguma estranheza que a população verifica que, oito meses volvidos sobre o início da pandemia de COVID-19 e em contraste com a sofisticação das tecnologias médicas em variadíssimos campos, como oncologia e cardiologia, as melhores ferramentas contra o SARS-CoV-2 continuam a ser tão simples e primitivas como máscaras, distanciamento social e, no limite, confinamento. Não obstante, os jornalistas têm dado constantemente voz a especialistas, incluindo muitos investigadores, para informarem, interpretarem e comentarem o evoluir da pandemia e medidas para a contrariar. Em Portugal, como em muitos outros países, vive-se um período sem precedentes de colaboração entre jornalistas e cientistas, que esperamos que seja duradouro (ao contrário da pandemia, claro). No entanto, a monopolização do debate público em torno do desenvolvimento de vacinas (e, sobretudo, a sua politização) tem tolhido a discussão sobre como a Investigação Científica pode, efetivamente, ser usada como arma contra o vírus e a pandemia.
Num país como Portugal, o que poderíamos, afinal, esperar como medidas baseadas em conhecimento científico? No imediato, estudar os pontos críticos de transmissão (Transportes públicos? Estabelecimentos de ensino? Famílias? Locais de trabalho? Festas e diversões? Restaurantes?…), selecionar critérios de decisão baseados em factos (Número de infetados? Número de internados? Taxa de transmissão?…), obter a confiança da população através de uma comunicação clara dos critérios adotados e medidas de contingência preconizadas (em que circunstâncias se justifica uma nova quarentena caso se dê uma segunda vaga?, por exemplo). A par, levar a cabo um investimento sério nas várias áreas do saber e da criatividade (ciências biológicas, sociais e humanas, arquitetura, artes) para conceção de soluções e adaptações, a todos os níveis, ao novo (a)normal, que se pode tornar duradouro: repensar os espaços públicos em prol da manutenção da atividade cultural, social e económica, participar no esforço mundial de desenvolvimento de medicamentos, vacinas e dispositivos médicos anti-COVID-19, e monitorar de perto o eventual surgimento de novas estirpes de SARS-CoV-2. Um pouco por todo o mundo, observamos o desenvolvimento de formas criativas de dispor o público em espetáculos, a valorização das atividades ao ar livre, o repensar da ventilação de espaços interiores, apostas redobradas em projetos de novas terapêuticas e novas políticas de apoio a idosos, por exemplo. A pensar no longo prazo, deveríamos lançar já programas em três frentes: para reorganizar as cidades, sobretudo nas áreas metropolitanas, evitando dormitórios sobrelotados e mobilidade intensa entre centro e periferias, para tornar a economia menos dependente de um setor tão volátil como o turismo e, ainda, para reindustrializar Portugal com a participação da Ciência/Inovação e de outros setores criativos diferenciadores.
Contudo, em Portugal a catalisação e coordenação dos esforços de Investigação Científica para fazer frente aos desafios levantados pela pandemia têm sido escassos e débeis. Apesar da exposição mediática da Investigação Científica atualmente, a Agência Ciência Viva, que teria por obrigação incentivar e catapultar a comunicação de Ciência com concursos de estímulos no âmbito do jornalismo, comunicação e investigação, continua imóvel, pregada ao chão, ensimesmada, sem qualquer iniciativa relevante. A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), cada vez mais pálida e apagada, cada vez mais viciada em concessão de financiamentos de protocolos por “ajuste direto”, sem concursos nem anúncios, ou com concursos abreviados, questionáveis e polémicos, limitou-se a pequenas iniciativas fragmentadas e sem expressão.
Vivemos tempos excecionais, que requerem respostas excecionais. Assim é esperado em todos os setores de atividade, especialmente da Investigação Científica e de quem a governa. Não é hora para vazios nem ambiguidades. Faz-se caminho ao andar e ficar parado não é admissível nem pode ser opção.