O nome GS1 pode não ser imediatamente identificável pelos consumidores, mas o trabalho desta organização sem fins lucrativos não lhes passará despercebido, já que esta é a entidade que desenvolve e mantém standards globais – e de que o código de barras é o melhor exemplo. A GS1 Portugal, fundada em 1985, realizou recentemente o 5º Congresso Nacional no Grande Auditório do Campus da Nova School of Business and Economics, que teve por tema “(Des)codificar o Futuro. Estilos de Vida e Digitalização. Desafios, Modelos de Oferta e Consumo”. O evento contou com intervenções de Paulo Portas, vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Rogério Carapuça, presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações (APDC), Paula Panarra, General Manager da Microsoft Portugal, e Rogério Raposo, coordenador de operações do Centro Nacional de Cibersegurança, tendo havido ainda um painel de debate com responsáveis da Auchan, Delta, Sogrape, Sonae, Unilever e Vitacress. O Congresso foi o pretexto para a nossa conversa com João de Castro Guimarães, líder da GS1 Portugal.
Porque é que a GS1 Portugal escolheu a Inteligência Artificial (IA) como um dos temas principais do 5º Congresso Nacional?
A GS1 internacionalmente (envolvendo mais de 80 países) fez um estudo no qual se identificaram as macro tendências dos negócios, como sustentabilidade, segurança e cibersegurança, blockchain, automation, smart everything, empower consumers e mass customization, que podem ser priorizadas pelos enablers tecnológicos nos quais a IA se destaca. Mas também a Internet das Coisas, autonomous logistics, etc. Estamos igualmente a trabalhar com a Deloitte numa prova de conceito que envolve várias empresas para tentar conseguir demonstrar que há interesses e vantagens nas questões ligadas com a segurança alimentar e a rastreabilidade. Temos prioridades de ação a nível global e depois adaptamo-las localmente. Nessas prioridades, que são muito centradas no consumidor, destaca-se claramente a segurança e a última milha [nota: logística de transporte que leva as mercadorias do centro de distribuição ao destino final da entrega] – e na última milha é onde se enquadram as questões da digitalização. Nós, com humildade, mas com a noção de que temos tido um papel relevante, temos com a nossa plataforma Sync PT uma forma de permitir a digitalização do que chamamos consumer goods do retalho e da distribuição moderna. Isto porque saiu uma diretiva europeia, o regulamento 1169, integrado no ato único europeu para a promoção do comércio eletrónico, que pretendia levar às zonas mais recônditas da Europa em escolha e em diversidade os produtos e que pudessem ser adquiridos da mesma maneira – e esse regulamento 1169 impõe um conjunto de requisitos a que a nossa plataforma Sync PT responde. Nessa perspetiva podemos dizer, até certo ponto, que se não forem publicados online esses 12 ou 13 requisitos não podem ser vendidos. Portanto, sentimos que temos tido um papel relevante em promover aquilo a que no nosso plano estratégico damos um grande destaque: conseguir as melhores práticas e apoiar as grandes empresas, mas depois replicá-las para as pequenas, médias e micro empresas. Isto num contexto de quase 9 mil empresas associadas que temos, cujas faturações representam mais de 50% do Produto Interno Bruto nacional. É dentro deste contexto de facilitador de unidade de ação, de apoio às pequenas e médias empresas, utilizando as melhores práticas das grandes, que fazemos e comunicamos este nossos eventos, onde de facto é um dos aspetos mais importantes dentro das nossas prioridades a última milha, designadamente a planificação com o demand planning, porque são áreas extremamente difíceis e o tratamento massivo de dados que são complexos vai permitir otimizar e potenciar a gestão de stocks.
Marcos Borga
Pode dar alguns exemplos práticos de como a transformação digital está a impactar não só as empresas portuguesas como o próprio consumo?
Sim, designadamente naquilo que referi como a última milha. Vemos claramente que, cada vez mais, há uma tendência mas que em Portugal ainda não se sentiu o suficiente e que nos Estados Unidos é impressionante: retalhistas que estão a sentir as suas vendas a cair fortemente enquanto outras, como a Amazon e o Walmart, têm tido investimentos grandes nesta área da digitalização – o que faz com que estejamos a antever que, a breve prazo, em Portugal também se passarão transformações desse tipo. Aí temos um papel que é vital, pois temos promovido e desenvolvido uma área que chamamos de laboratório de dados e imagem. A qualidade dos dados é de uma importância vital, até para estas questões da IA e de machine learning. Nessa perspetiva, entendemos que, não só por causa das questões regulamentares, mas por tudo o que diz respeito à qualidade dos dados, é algo em que nós devemos ter esse papel de facilitador. Temos grandes empresas multinacionais que nos vêm pedir que façamos essa análise da qualidade dos seus dados no papel de consultor e estamos a tentar replicar isso para as mais pequenas empresas, para as quais não é fácil tê-los tão sensíveis para isso. Daí que a formação para nós também seja tão importante. Foi de acordo com essa lógica que fomos convidados pelo então secretário de Estado João Vasconcelos para participar na COTEC no Comité Estratégico da Indústria 4.0, onde temos feito o nosso papel. Tivemos um projeto com a introdução dos códigos na área da Saúde, que tem sido muito apoiado pelas diretivas europeias – há uma diretiva europeia que entrou em vigor este ano que obrigou à utilização nos laboratórios farmacêuticos para lutar contra a contrafação dos medicamentos do sistema de códigos e standards da GS1. Fizemo-lo e também junto da COTEC temos dado formação e tem-nos sido pedido várias vezes nos congressos que fazem para demonstrarmos o que fazemos, que é replicar, fotografar, fazer upload e analisar a qualidade dos dados sob o ponto de vista regulamentar. Também do ponto de vista da marca, fazer um product tracker e ter um papel de consultoria às empresas, facilitando-lhes um pouco esse papel no que diz respeito à digitalização dos seus produtos.
Como é que a GS1 pode ajudar especificamente as pequenas e médias empresas no mercado online, onde há uma tendência para os consumidores se concentrarem em grandes empresas, como, por exemplo, Fnac, Worten, Amazon e AliExpress?
Julgo que há diversas formas. Em Portugal a faturação do comércio online tem crescido muito, mas não tem uma grande representatividade. Tivemos o acesso por parte dos retalhistas como grandes enablers destas coisas, mas ainda não chegámos com a dinâmica que pretendemos às mais pequenas. Posso dizer que tive dois FTE (Full-Time Equivalent) alocados durante um ano a um grande grossista, a Makro, que tem dado uma importância particular às questões da qualidade dos dados e à digitalização. O que é importante é que, de facto, o retalhista como enabler potencie os seus fornecedores, designadamente os mais pequenos a recorrer à GS1. Do nosso lado, através dos nossos meios de comunicação ou de entrevistas como esta, tentamos dizer “Estamos cá, consultem-nos”, mas também temos muitas outras áreas, como o setor financeiro e as leis que agora operam no mercado de capitais. Muito pela visibilidade que damos à cadeia de valor, foi-nos pedido para colocar os nossos códigos em maços de tabaco num projeto que tem um ano e no mundo GS1 fomos nós e Espanha os países que o conseguiram fazer. Temos tido um papel grande no apoio a boas causas e o nosso próprio plano estratégico obriga-nos a olhar cada vez mais e a discriminar positivamente as micro, pequenas e médias empresas.