Karen Hanghøj, líder do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia para a área das Matérias-Primas (EIT RawMaterials, instituição que ligada ao conhecido EIT, da UE), passou pelo Porto na semana passada para participar numa conferência sobre extração de minérios debaixo de água. Em entrevista para a Exame Informática, defendeu o regresso da Europa à liderança da extração de minérios como aposta estratégica que não só deverá respeitar as regras ambientais, mas também é fulcral para a produção de todas as baterias que vão ser necessárias para carros elétricos, ou turbinas eólicas necessárias para criar uma economia mais amiga do ambiente. A especialista dinamarquesa não tem dúvidas de que é um setor estratégico para Europa. E apresenta números para consubstanciar essa tese: as atividades relacionadas com as matérias-primas não valerão mais de 7.1 mil milhões de euros quando os cálculos se limitam apenas à extração, mas as matérias obtidas geram negócios acima dos 711 mil milhões de euros e empregam mais de 11 milhões de pessoas na Europa. «Basicamente, começa algures com a extração numa rocha e termina em gadgets como este», lembrou Karen Hanghøj mostrando o telemóvel para a assistência do auditório do Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP), pouco depois de recordar o atual desequilíbrio entre extração e consumo: A Europa consome entre 25% e 30% dos metais existentes no mundo – mas apenas produz cerca de três a cinco por cento desses metais.
Há ou não uma corrida aos minérios devido à produção de tecnologias?
É um cenário complexo. Os metais são muito usados nas tecnologias; e estão entre os materiais mais valiosos. Tipicamente, os minerais mais usados em termos de volume são o ferro e o cobre, mas sim, estamos a assistir a todas estas tecnologias emergentes, que até podem ser mais “verdes”, e que precisam de minérios diferentes – mesmo com quantidades mais reduzidas. E é aí que pode estar o problema. Por não usarmos grandes quantidades podemos estar a lidar com um mercado mais pequeno, que não é tão atrativo para os investidores. Mas as coisas que são realmente importantes e de que as pessoas andam a falar são as terras-raras (ou metais de terras raras). São matérias que são usadas em turbinas eólicas, carros elétricos, ecrãs táteis e muitas outras tecnologias – em especial tecnologias relacionadas com as energias…
… sendo que essas matérias são controladas na larga maioria pela China.
Sim, a maior parte está na China. E isso não se deve ao facto de não haver terras raras fora da China – até porque há! Na verdade, estas matérias não são assim tão raras, mas são complexas de explorar e de refinar; e é muito difícil de fazer o processamento metalúrgico. Quase só os chineses têm as tecnologias exigidas para isso. É quase um monopólio. Atualmente, menos de 18% das matérias raras vêm de fora da China. Mas se contarmos com o processamento, então quase 100% vem da China. Mesmo que se faça a extração na Europa, tipicamente, essa matéria é enviada para a China para fazer o processamento. O que não faz muito sentido. Há também outras matérias consideradas críticas nessa situação… e há um bom exemplo disso que tem sido muito falado neste momento na Europa e em Portugal também: as matérias usadas nas baterias.
Aqui tem-se falado muito lítio…
Lítio, cobalto, níquel… estas matérias são muito importantes porque são usadas em quase todas as novas tecnologias “verdes”, como os carros elétricos, bicicletas elétricas. O problema das tecnologias usadas nos painéis solares ou nas turbinas eólicas é que, por exemplo, quando há vento é possível produzir energia (nas turbinas eólicas), mas quando não há vento não é possível produzir energia. As tecnologias que armazenam energia são muito importantes. E por isso, o lítio, cobalto e o níquel são muito importantes. A UE continua a atualizar as listas de materiais raros considerados críticos. Penso que já têm mais de 20 matérias. Apenas falámos de terras raras e matérias usadas nas baterias, mas também há coisas como a platina, que é um elemento também muito crítico que, na maior parte, vem da África do Sul. Há, portanto, uma concentração geográfica.
Os países do Ocidente e da UE não deveriam ter planos mais estruturados para a produção de minérios? Não faria sentido avançar apostar mais na reciclagem?
É uma questão complexa. Neste momento, temos essa coisa que é a Aliança Europeia para as Baterias… que foi lançada há cerca de um ano. Tem havido um esforço ao nível europeu para que os países se mantenham unidos e vamos apoiar esta ideia de fabricar baterias na Europa, providenciando as matérias-primas para isso. É uma iniciativa muito valiosa. Temos de criar uma linha comum de trabalho ao nível europeu.
Mas esse hipotético plano comum de pouco servirá se não houver minerais na Europa… ou será que a ideia de que a Europa já não tem minérios está errada?
Sim, está parcialmente errada. Não encontramos minérios em qualquer lugar, mas há bastantes matérias-primas na Europa. Acontece é que começámos a ficar ricos e passámos a preferir apostar na indústria que transforma as matérias-primas em vez da exploração mineira, porque dá maior margem de lucro. Preferimos fazer isso em alternativa à exploração mineira. E por isso, a mineração passou a ser feita em maior escala na China, África e América do Sul. Portugal tem uma tradição mineira forte e, se andarmos para trás 150 anos, verificamos que a Alemanha, a França e outros países europeus tinham muita exploração mineira e pararam com essa exploração, não por a matéria-prima ter ficado esgotada, mas por terem preferido construir carros e coisas do género. Há 150 anos, a Europa era a principal região mineira do mundo… e deixou de o ser porque a mineração passou a ter má reputação, as pessoas consideram que não é uma atividade amiga do ambiente, e consideram que é algo sujo. O problema é que quando decidimos explorar minas noutros locais que não na Europa, porque as pessoas não deixaram de querer turbinas eólicas, carros, computadores… mas depois não querem minas e dizem que são prejudiciais para o ambiente, mas o ambiente pode ficar bem pior se colocarmos toda a mineração na China e não o pudermos controlá-la. Na Dinamarca – que é de onde venho – não há quaisquer materiais. Não podemos dizer que somos autossuficientes em termos de cobre, porque não temos cobre. Mas há outros países onde é possível encontrar matérias-primas… a Dinamarca não se vê como um país mineiro, mas tem areia e gravilha que também são matérias-primas consideradas fulcrais, apesar de não serem tão excitantes como o ouro e as terras raras.
Chegou a hora de a Europa regressar à exploração mineira?
Sim.
Provavelmente, essa decisão acabará por ter a oposição da população, ou de outras indústrias. Aqui, em Portugal, há quem defenda que as minas prejudicam o turismo…
Claro que a exploração mineira gera impacto… tal como a agricultura. O problema é: se queremos ter carros, casas, telemóveis ou tecnologias “verdes”, vamos precisar de metais, que terão de vir de algum lado. É muito fácil lavar as mãos e dizer que não gostamos do que está a ser feito ao ambiente e então tratarmos de colocar essas coisas noutros locais do mundo. Se não me engano, na Suécia, hoje há mais terra usada para campos de golf do que para exploração de minas. Claro que temos de fazer as coisas bem. E devemos fazê-lo da melhor forma possível para o ambiente.
Será que esse grau de exigência também se deverá aplicar evitando importações de países que não cumprem as regras ambientais?
Sim.
Voltando às matérias-raras: se a China quiser, todo o mundo terá dificuldade em produzir equipamentos eletrónicos.
Sim.
A Europa poderá vir a recuperar a independência em termos de matérias-raras?
Não sei se consigo responder a uma questão tão boa. O mais curioso é que há uns dez anos houve uma discussão similar; já estava a acontecer algo similar na Europa, mas não ficámos melhor e estamos no ponto onde estávamos antes. A China e outros países têm estratégias nacionais definidas. Houve a decisão de extrair minérios porque há a necessidade de ter matérias-primas. No Ocidente, a exploração de minério só é feita se der dinheiro. O que é um problema. Às vezes, é um investimento de risco elevado. Os preços são muito voláteis e geram muita turbulência no mercado. Os chineses dizem que não querem saber se os preços são voláteis e extraem o minério apenas porque sabem que vão precisar. É uma abordagem completamente diferente. A exploração mineira é uma atividade a prazos tão longos que só descobrimos uma solução para algo que começamos agora a minerar passadas uma ou duas décadas. E isso está bem ilustrado nesta questão das terras raras, que começou a surgir há 10 anos – e hoje ainda não estamos melhor.
Não faria mais sentido desenvolver materiais alternativos, reciclar ou desenhar equipamentos que não necessitam das terras raras?
Também há tentativas nesse sentido. Tentamos encontrar materiais substitutos que consigam fazer as mesmas coisas. Essa é uma das coisas que têm sido feitas – assim como a economia da reciclagem. O cobre e o ferro são muito usados e a maioria destes materiais acaba por ser reciclada. E por isso há uma oferta razoável (destes metais reciclados). Temos um problema com os materiais usados na energia ou as terras raras que usamos nas turbinas eólicas. Há 50 anos não tínhamos turbinas eólicas. É uma tecnologia emergente. Há um segundo problema: estamos a construir estes sistemas para uso nos próximos 50 anos e, além disso, há uma procura crescente. Mesmo que houvesse matéria suficiente, mesmo que tivéssemos todos esses materiais que precisássemos, não teríamos forma de os reciclar (porque estão a ser usado)… e isso não permitiria cobrir as nossas necessidades. No próximo ano, possivelmente vamos passar a usar mais 20% desses materiais e, no ano seguinte, vamos passar a usar ainda mais 20%…
Essa lógica pode ser aplicável às turbinas eólicas, mas provavelmente nos telemóveis, que as pessoas trocam ao cabo de dois ou três anos, a reciclagem já poderá produzir efeito!
A lógica é parcialmente a mesma, porque estão sempre a ser criadas novas tecnologias. O problema com os telemóveis é que podem exigir mais de 60 elementos, que estão misturados em pequenas quantidades, a fim de garantir que fazem com precisão aquilo que os fabricantes querem fazer – mas é muito difícil separar metais. E por isso temos milhões de telemóveis para reciclar com quantidades muito reduzidas de diferentes metais, mas os recursos necessários para reciclar os metais desses dispositivos podem ser mais exigentes que a extração a partir da rocha. Como consequência, nos telemóveis não se reciclam todos os 60 elementos, possivelmente só se reciclam o ouro, a platina, o níquel… talvez sejam reciclados uns cinco elementos. O resto é demasiado caro para reciclado. É importante que se desenvolvam novos métodos para reciclagem. Temos decidir coisas que facilitem a reciclagem. Isso tem de fazer parte dos investimentos na área dos materiais. O que não invalida o facto de continuarmos a precisar de matérias-primas – e essas matérias têm de vir de algum lado.
Portanto, podemos concluir que vai continuar a existir uma pressão para que os preços continuem a subir…
Penso que sim. Não sou economista, mas tenho a certeza de que a procura vai continuar a aumentar. Algumas destas matérias não são assim tão raras. Se conseguirmos ter uma produção que acompanhe a procura, não será necessário aumentar a produção de materiais… desde que não haja escassez. É nisto que a UE deveria estar a trabalhar neste momento. A UE fez esta lista de matérias-primas com que nos haveríamos de preocupar. Depois desta lista, deveríamos ter criado uma lista de ações a serem tomadas no que toca à produção.
Quais os países que têm mais minérios na UE?
Há minérios em muitos locais. As pessoas costumam dizer: «não ponham isso no meu quintal das traseiras». Gostava de ver as pessoas a dizerem «por favor, ponham essas coisas no meu quintal das traseiras, para que eu possa controlar». Em vez de minas enormes, preferia ver minas em várias regiões que sabemos que têm muitos minérios. Sabemos que Portugal e Espanha têm muitos minérios, e o mesmo posso dizer da França e da Alemanha, da Gronelândia e também da Escandinávia. Gostava que a extração de minério numa maior diversidade geográfica. E depois temos ainda os oceanos: pode haver casos, em que do ponto de vista ambiental, é melhor extrair as matérias no mar do que em Terra.