O que é que faria com 13 mil milhões de euros? A questão, que poderia levar qualquer comum dos mortais às mais fantasiosas ideias, não é sequer equacionada pelo governo irlandês. Hoje, o executivo de Dublin fez saber que pretende apresentar recurso junto da Comissão Europeia da decisão que obriga a Apple a pagar ao erário público irlandês os impostos que ficaram por saldar, devido a um acordo considerado ilegal, que vigorou nos últimos 10 anos de atividade da companhia.
Em Portugal, a injeção dos 13 mil milhões de euros seria suficiente para insuflar de otimismo as contas anuais do PIB; e na Irlanda, esse montante também teria um impacto significativo, como recorda o seguinte parágrafo da Reuters: «Paradoxalmente, a Irlanda está determinada a não receber esta verba inesperada, que é equivalente ao que foi gasto durante o último ano a financiar o serviço nacional de saúde, atualmente em apuros».
Só Michael Noonan poderá justificar a rejeição de tamanha lotaria fiscal. Desde 2014 que o ministro das finanças irlandês fez saber que pretendia alinhar com a Apple, caso fosse obrigada a pagar mais impostos que aqueles que são exigidos ao abrigo de um acordo que permitiu reduzir de 1% para 0,005% o imposto aplicado aos lucros da delegação que a Apple usa para gerir os negócios na Europa.
Na quarta-feira, O ministro das finanças lá cumpriu a promessa e instou os colegas de governo a oporem-se contra a medida aplicada pela Comissão Europeia. As notícias dão conta de que esta primeira tentativa fracassou. Hoje, o ministro das finanças voltou à carga – e finalmente garantiu o apoio das várias sensibilidades do governo.
A Reuters considera mesmo que a posição agora assumida terá sido determinante para a sobrevivência do governo irlandês. O partido Fine Gael, que lidera a coligação atualmente no poder, era o principal defensor da política de impostos baixos, que tem sido seguida nos últimos tempos e que conseguiu atrair delegações da Apple, da Microsoft, da Facebook, da Amazon, da Google, entre outras multinacionais (um décimo dos empregos dos últimos anos terão sido gerados por essas grandes empresas).
Só na próxima quarta-feira, o assunto será debatido no parlamento. O Fianna Fail, o principal partido da oposição também já fez saber que está do lado da Apple – e só mesmo o Sinn Fein, partido que ficou conhecido, no passado, pela luta armada contra o Reino Unido na Irlanda do Norte, se pronunciou contra a rejeição dos 13 mil milhões de euros.
Nos EUA, a posição do governo irlandês seguramente que terá sido bem recebida. A Casa Branca pretende retomar o pagamento de impostos com efeitos retroativos que foi aplicado à Apple durante a realização da cimeira do G20, que deverá ocorrer na próxima semana na China. Josh Earnest, porta-voz de Barack Obama, fez saber que o presidente dos EUA vai abordar as estratégias que as multinacionais costumam usar para evitar os impostos (só Apple terá cerca de 181 mil milhões de dólares em paraísos fiscais). Perfila-se um conflito com a Comissão Europeia: «Precisamos de descobrir uma forma de tornar o sistema fiscal mundial mais justo – mais justo para os países à volta do mundo, e particularmente para países como os EUA», reiterou Josh Earnest.