A encriptação forte está por todo o lado. Nos nossos navegadores de internet, nos clientes de e-mail, nas aplicações de mensagens, nas transferências de dinheiro, nas compras online e em muitas outras atividades que fazemos online. Philip Zimmermann, um dos nomes mais influentes na área da criptografia tecnológica, diz que “seria preciso um milagre” para voltarmos a um mundo no qual a encriptação não é um elemento fundamental. O problema? “É isso mesmo que está a acontecer agora”, defende.
O criador do Pretty Good Privacy (PGP), um dos mais conhecidos e usados protocolos de encriptação para comunicação por e-mail, diz que há cada vez mais países, com destaque para os chamados Five Eyes – EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia – a “fazer pressão” para que as grandes tecnológicas criem portas de acesso, para as forças de segurança, nas suas tecnologias de encriptação.
“Se permitirem à vigilância entrar na base tecnológica do vosso país, uma autocracia pode usar isso, até para manter-se no poder”, defende o especialista. Sobretudo na Europa Ocidental, onde o índice das democracias é saudável, esta é uma ideia que para muitos pode parecer rebuscada. Mas Zimmermann lembra que mesmo em democracia, tudo pode mudar de um momento para o outro.
“Estás a apenas umas eleições de distância de isto se poder tornar numa autocracia populista”, explica. “Não levamos isto a sério, parece ficção científica – um dia o governo vai virar uma autocracia. Mas já não é um filme de ficção científica. Olha à tua volta. As democracias liberais estão a colapsar em autocracias”, alertou a audiência durante a sua apresentação no Centro de Congressos em Lisboa, a 15 de outubro, dando como exemplos recentes os EUA e o Brasil.
“O Facebook está a acelerar a divisão das pessoas, está a virar as pessoas umas contras as outras. Nada gera mais interações do que a indignação e isto está a virar país após país contra si próprio. Tornou os EUA num país irreconhecível”, lamentou.
Ainda sobre as grandes tecnológicas, nas quais os utilizadores confiam uma grande parte das suas vidas digitais, Philip Zimmermann lembrou que apesar da bússola moral de cada empresa, por vezes são “coagidas pelas autocracias”, mesmo não fazendo parte desses países. Um exemplo: Apple e Google baniram da App Store e Play Store, respetivamente, a aplicação de Alexey Navalny, o principal opositor de Vladimir Putin, depois de pressão do governo da Rússia – que incluiu a deslocação de forças armadas aos escritórios da Google.
Daí que apesar das ameaças crescentes, a encriptação é vista por Zimmermann como uma tecnologia fundamental para manter as democracias. “Como te organizas contra uma autocracia? Precisas de ter conversas privadas, precisas de encriptação ponto-a-ponto”. E deu um exemplo: “Na China nunca vai haver oposição política, não conseguem ganhar tração. A China pode manter esta autocracia sabe-se lá durante quanto tempo e pode chegar a mais países”.
No final, o engenheiro americano deixou mais um alerta, este último relativo ao crescimento da videovigilância. “O mundo em que vivemos é a era dourada da vigilância. Há câmaras em todo o lado, podes rastrear muitas coisas e é muito difícil voltar atrás. Não podemos encriptar as nossas caras, mas tens de fazer algo sobre isso. (…) Estou preocupado com o que acontece em escala. O sistema está construído para vigiar toda a gente, é aí que se torna perigoso para a democracia”.