Carlos Gonçalves, membro da direção da Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública (ESPAP), deu a conhecer hoje os planos de migração da Administração Pública (AP) para a sexta versão do Protocolo de Internet (IPv6): em 2015, deverá ter início um período de experimentação, e em 2016 todos os serviços da AP deverão migrar para o IPv6, sem deixar de garantir a compatibilidade com internautas que usam o IPv4. Em 2017, a ESPAP acredita que o processo de migração estará em fase de evolução, para chegar, em 2018, à consolidação, fez saber o responsável da ESPAP na conferência “Introdução do IPv6 na AP, que se realizou hoje em Lisboa”.
A migração de IPv4 para IPv6 tem por objetivo ultrapassar o esgotamento de endereços de Internet. Os 4,3 mil milhões endereços IP da IPv4 foram atribuídos pelas várias entidades que continentais; o IPv6 tem um total de endereços impronunciável (340,282,366,920,938,463,463,374,607,431,768,211,456) e já permitirá ter em conta a multiplicação de objetos, equipamentos, telemóveis, pessoas e animais que estarão ligados à Net durante os tempos mais próximos.
Em Portugal, apenas 7,7% do tráfego é encaminhado para terminais IPv6 e apenas 4% dos domínios serão compatíveis com esta norma. Já não há mais endereços IPv4 para atribuir, mas para estender a vida útil da antiga norma, as empresas, operadores e alojadores de sites têm vindo a recorrer a processos de desdobramento de endereços IP (em que um endereço público suporta vários endereços privados). O desdobramento é uma opção válida – mas tem limitações: não é escalável, atrasa a latência, inviabiliza serviços de localização e até pode dificultar perícias policiais. O que pode pôr em causa vários serviços hoje disponíveis na Web.
Na AP, não há propriamente dados definitivos sobre adoção do IPv6. João Nuno Ferreira, vogal da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), aproveitou o evento para apontar a Rede Ciência, Tecnologia e Sociedade (RCTS), que liga as universidades e as escolas do País, como o melhor exemplo da migração para os endereços IPv6 (iniciada há mais de uma década).
O Ministério da Administração Interna (MAI) também já levou a cabo várias experiências no que toca à migração e já funciona como Local Internet Registry, garantindo a capacidade de atribuição endereços IPv6 aos serviços que tutela. E é provável que a maioria dos servidores, routers, gateways, e sistemas operativos usados nos organismos estatais já sejam compatíveis com o IPv6 – mas há um problema que permanece por resolver: a larga maioria dos serviços da AP sem fazer a migração. Resultado: quase todos os serviços de e-mail, endereços de sites, bases de dados, entre muitos outros serviços on-line da AP não suportam IPv6.
Entre os especialistas que marcaram presença na conferência realizada esta tarde, multiplicaram-se as vozes que exortam a AP portuguesa a recuperar o atraso da migração para o IPv6 que já denota face a países como a Alemanha ou a Espanha, que estão atualmente a consolidar o IPv6 depois de quatro anos de implementações e migrações.
Pedro Veiga, presidente da delegação portuguesa da Internet Society, é uma dessas vozes que não se coíbe de clamar por «IPv6 já!». O antigo presidente da extinta Fundação para a Computação Científica Nacional (FCCN) recorda que em 2011 enviou para o ministro da Economia um projeto que visiva instituir como obrigatório o uso de IPv6 na AP, municípios e outras entidades estatais. «Nunca obtive qualquer resposta do ministério da Economia», recorda, ao lembrar os vários marcos que a IPv6 foi alcançando no estrangeiro.
«Quando há um problema num site, a culpa não é dos informáticos da AP, mas sim da falta de planeamento e de recursos humanos. Estou muito preocupado. Não se trata de uma coisa que faz parar a Internet de um dia para o outro, mas receio que, sem planeamento, haja uma série de dificuldades e várias coisas comecem a deixar de funcionar», frisou o presidente da Internet Society em Portugal.
A migração para o IPv6 exige tempo e recursos – mas há ainda mais um fator que pode determinar o futuro do processo: o projeto do governo de migração de servidores e bases de dados dos 11 ministérios do País para repositórios baseados na Internet (cloud computing). A nova rede informática, conhecida pela sigla RSP TIC, terá ainda de ser aprovada em resolução ou decreto de lei do Governo – sendo que a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) já emitiu reparos críticos à iniciativa legislativa.
Resta saber se estes reparos têm ou não como efeito o retardamento do projeto que está na tutela da Secretaria de Estado da Modernização Administrativa (SAMA). Só quando se avançar com a migração de repositórios da AP para a cloud será possível iniciar a migração para o IPv6.
Uma coisa é certa: fora da AP, o panorama está longe da uniformização, como recorda Jorge Bonifácio, diretor de Estratégia da Rede da PT. Na “operadora histórica”, foi definido um plano de endereçamento para todos os nós da rede; hoje, 98% dos terminais usados pelos diferentes clientes para se conectarem à Meo são compatíveis com IPv6, apesar de apenas 20% destes dispositivos usarem esta norma IP.
«Estamos a fazer o nosso trabalho de casa, mas é necessário que outros intervenientes no mercado também o façam», explica Jorge Bonifácio, diretor de Estratégia da Rede da PT, apontando o caminho que falta para que o mercado português se torne maioritariamente “IPv6 ready”.
Na Vodafone, a adoção do IPv6 tem sido encarada de uma forma um pouco diferente: em vez de apresentar números da adoção da norma, a operadora prefere apontar para o estágio em que a migração para o IPv6 se encontra atualmente: «É importante garantir a existência de aplicações e serviços compatíveis. Trata-se de um processo que exige equipamentos, terminais e manutenção… só que quase não há serviços compatíveis com IPv6 em Portugal. Tem de haver um empurrão das empresas e do Estado, caso contrário torna-se mais difícil fazer essa migração», conclui Vítor Calçada, responsável da Vodafone.