A arte alimenta-se da imaginação, da perceção, da descrição do que não é visível. A Ciência também. “Têm muito em comum”, sublinha o neurocientista Joe Paton, que por estes dias é também comissário da exposição Metamersion, aberta ao público (a entrada é livre, mas o registo é recomendável) sexta-feira, 27, e no dia seguinte.
Nesta viagem pelo cérebro e pelos sentidos, servida pelas artes ‘tradicionais’, como a fotografia, e auxiliada pela tecnologia, como a realidade virtual e a inteligência artificial, os visitantes poderão ficar com uma ideia do que se passará ali, nos dez mil metros quadrados dos armazéns da Doca Pesca, em Pedrouços, ao lado do edifício principal da Fundação, em processo de transformação no centro de investigação Ocean Campus.

Usar a tecnologia para compreender melhor o comportamento humano e promover a saúde é o principal objetivo do novo complexo, que junta o Instituto Gulbenkian de Ciência, as câmaras de Lisboa e Oeiras, a Administração do Porto de Lisboa e a própria sociedade, que se quer parte fundamental do projeto, quer como objeto de estudo, quer como mecenas.
“Ser capaz de reconhecer um estilo, padrões é algo muito humano”, diz Joe Paton. Uma parte do trabalho em Inteligência Artificial é precisamente treinar o algoritmo para ser capaz de fazer este reconhecimento, de uma forma tão automática e eficaz como faz o cérebro. Na exposição, uma das peças transforma fotografias em imagens ao estilo de pintores famosos (uma técnica que tem o nome de transferência de estilo em tempo real). Pode não parecer muito diferente de um filtro do Instagram, mas na realidade o que está por trás desta instalação é uma rede de deep learning que a cada transformação está a ser treinada para aprender um determinado estilo. Saltando para as aplicações em saúde, que virão a ser desenvolvidas no Ocean Campus, temos a biópsia cinemática, que trata da deteção de doenças, neurológicas, por exemplo, pela alteração no movimento durante a marcha. “Faz-se um vídeo da pessoa enquanto esta entra no hospital e através do algoritmo, treinado, analisamos a marcha e antecipamos o aparecimento de patologias”, descreve o neurocientista.
“Não é fácil apanhar esta ideia”, admite Joe Paton, referindo-se aos objetivos do novo centro de investigação. “A Medicina está muito associada a medicamentos, a tratamentos”. E o que ali se pretende é atuar antes de a doença aparecer. A tão proclamada medicina preventiva, potenciada pela tecnologia e pela possibilidade de mudar comportamentos: deixar de fumar, ter uma alimentação saudável, praticar exercício físico. Todos estes objetivos podem ser atingidos com a ajuda de ambientes imersivos. Onde a pessoa é transportada para ambientes virtuais. “A imersão nestes ambientes estimula o cérebro de uma forma mais profunda”. Para potenciar o efeito desta estratégia, é preciso que a pessoa esteja mesmo convencida de que o virtual é afinal o real. Na Metamersion, os visitantes poderão testar a tecnologia de realidade virtual, usada no tratamento de doentes com Parkinson, MindPod, em que um jogo com golfinhos estimula o exercício físico, transportando o paciente para um ambiente marinho de serenidade e bem-estar. É esta ideia de imersão que dá o nome ao evento.

“Metamersion, é uma combinação do conceito de metameros – estímulos perceptualmente semelhantes mas com características físicas distintas -, e imersão – um estado de envolvimento mental profundo e continuado. Assim como os metameros de cores foram usados para revelar a nossa visão tricromática, mais de um século antes de conhecermos a sua base molecular, também as tecnologias imersivas – realidade virtual e aumentada, captura de movimento de corpo inteiro, visão computacional – prometem desvendar mistérios profundos sobre a percepção que temos do mundo e de como esta influencia as nossas ações e decisões diárias”, explica-se na apresentação da exposição. “As nossas ações e decisões – os nossos padrões de comportamento – e os ambientes em que ocorrem, afetam tudo, desde a forma como recuperamos de lesões cerebrais, como envelhecemos, até ao risco que temos para desenvolver uma doença ou, mesmo, como nos comportamos enquanto (e dentro da) sociedade.”