John B. Goodenough, o mítico “pai” das baterias de iões de lítio, veio à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) receber o título de professor honorário e dar a conhecer as mais recentes novidades de uma nova geração de baterias mais seguras, eficientes, e baratas que tem sido desenvolvida na Universidade do Texas, com a ajuda da investigadora portuguesa Helena Braga. Eis a publicação da entrevista dada à Exame Informática em junho de 2018.
Como é que chegou à conclusão de que podia criar uma nova geração de baterias?
Quando trabalhava num laboratório que a Força Aérea dos EUA tinha no MIT, disseram-me que a minha investigação não estava em consonância com as missões da Força Aérea… Estávamos na década de 1970 e vivíamos uma crise no mercado da energia. E então lembrei-me: “talvez se fizesse alguma coisa na área da energia”. Como costumava trabalhar com óxidos, o Governo pediu-me para monitorizar um programa com a Ford para o desenvolvimento de elétrodos e eletrólitos de uma bateria… Foi a minha estreia em eletroquímica. E não percebia nada.
Não recusou a missão?
Claro que não. Na altura, o eletrólito daquelas baterias era feito de cerâmica, e perguntaram-me como é que se pode fazer um eletrólito melhor. O eletrólito continuaria a ser sólido, mas era necessária uma interface entre líquido e sólido, para podermos ter elétrodos líquidos. Isso levou toda a gente a começar a pensar. Na Universidade de Oxford, também decidiram que eu havia de ser um químico – e convidaram-me para professor de química. Pensei para mim: “se acham que tenho toda esta imaginação, é melhor aceitar, e talvez consiga aprender alguma eletroquímica!” (risos)
Valeu a pena!
Havia pessoas em França e na Alemanha que tinham começado a estudar a intercalação, que está relacionada com a inserção de lítio e a possibilidade de gerar reações químicas reversíveis necessárias para criar uma bateria recarregável. Havia baterias que usavam níquel oxi-hidróxido que, depois, se transformavam em níquel hidróxido, depois de se extrair o oxigénio… e isso levou à intercalação. Era o que precisávamos para fazer o cátodo (dispositivo que atrai os eletrões). Até que alguém me disse: «por que é que não criam um TiS2 (dissulfureto de titânio) de lítio?».
TIS2?
O TiS2 é um composto que, por ser um dissulfureto, permite gerar interações entre dipolos (campos elétricos das moléculas) suficientemente fortes para o transformarem num sólido… é algo que não se consegue fazer com um óxido, mas consegue-se fazer com um sólido. Já havia uma célula de energia primária, que usava um ânodo (de onde saem eletrões) de lítio e um eletrólito líquido, que permitia descarregar, mas quando se tentava um recarregamento formava dendrites (filamentos) que geravam curto-circuitos ou incêndios. E por isso houve quem decidisse parar com esse trabalho.
Mas não foi o seu caso…
Bom, vi que toda a gente estava a desistir… e eu conseguia criar um cátodo descarregável, mas não conseguia criar um cátodo que se carregava. Então, optei por criar uma bateria descarregável. Em vários pontos do mundo havia quem combinasse lítio entre camadas de grafeno e assim resolvia-se o problema das dendrites – desde que não se fizesse um carregamento demasiado rápido. E então no Japão, houve quem pegasse no cátodo em carbono – e é isso que hoje o seu telemóvel usa. Os telemóveis usam o “meu” LiCoO2 (Iões de Lítio com Óxido de Cobalto) e usam grafite, para criar um ânodo de carbono. O que significa que se leva o lítio do meu cátodo para o carbono (do ânodo) e assim se faz a descarga. Quando sugeri que se fizesse isso, responderam-me que ninguém faz baterias descarregadas… e eu nem pensava em grafite, podia ser usada qualquer outra coisa. E assim foi criada a primeira bateria de iões de lítio…
Que marca estreou a tecnologia?
A Sony Corporation começou a usar essas baterias num telemóvel e numa câmara de filmar…
E a sua conta bancária cresceu!
Não!
Por que não?
Por causa de uns advogados britânicos, que arranjaram forma de ficar com tudo! Roubaram as patentes. Fizeram biliões; não ganhei nada. Não tinha dinheiro para pagar uma patente. O meu salário não era muito grande. Estava em Oxford e não conhecia o sistema britânico. Propus que o dinheiro (resultante da patente) fosse usado nos custos de manutenção da patente e, uma vez pagos esses custos, passaríamos a partilhar esse dinheiro. Quando chegou a hora de assinar, disseram-me que só aceitavam o negócio se os deixassem ficar com tudo. Não sabia que haveria de valer biliões…
Não tentou encontrar mais nenhuma solução?
Nessa altura já estava na América. Não queria ir desgastar-me na justiça. Disse que ia dar isto para a sociedade – e dei-o para a sociedade. Quem fica com o dinheiro não importa. É dinheiro! Eu não sirvo o dinheiro; eu sirvo a humanidade.
Nunca sentiu que a sua tecnologia está a ser usada de forma menos adequada?
Sempre que estou a jantar com uma pessoa e essa pessoa atende o telemóvel em vez de falar comigo!
Não usa telemóvel?
Não. Uso o computador para receber e-mails… O que é que eu faço com 400 e-mails por dia? É terrível, arruína-me a vida. Não preciso disto (aponta para o telemóvel) para as pessoas me ligarem.
A tecnologia que criou também já é usada nas baterias de carros elétricos…
É demasiado cara. É necessária uma noite inteira para carregar uma bateria de um carro elétrico. Acredito numa nova geração de baterias que acabará por ser mais barata e segura; vai armazenar mais energia e terá maior autonomia; e tenho esperança de que permitirá criar carros totalmente elétricos que competem com carros a combustão.
Más notícias para os produtores de petróleo no Médio Oriente…
Os chineses também não queriam as baterias de iões de lítio… preferiam roubar a tecnologia para poderem produzir baterias.
E será que também é fácil roubar a nova geração de baterias que tem vindo a desenvolver nos últimos tempos com Helena Braga?
Espero que não seja tão fácil assim… os advogados encontram formas, e os chineses não querem saber da lei. Estou a tentar proteger a tecnologia por ela; já devo ter morrido antes de qualquer pessoa fazer dinheiro. Mas ela estará viva. Já temos cinco patentes e estou a escrever agora outra. A Helena criou um material único que ninguém tem… e não acredito que haja outras pessoas que façam o mesmo com outro material.
Será possível que esta tecnologia chegue ao mercado em cinco anos?
Sim, pode chegar ao mercado em cinco anos. Se não for a tecnologia dela, pode ser outra. Há muita gente a trabalhar neste problema (do desenvolvimento de baterias mais baratas e seguras). Não se pode continuar a viver para sempre suportado em energia de origem fóssil. Até porque é consumida muito rapidamente. Precisamos de baterias.
A nova tecnologia é mais barata que aquela que já existe?
É muito mais barata! E tem de ser mais conveniente e ter a mesma mesma autonomia que um motor de combustão, caso contrário não será competitiva.
E será mais segura que um motor a combustão?
Os motores a combustão não são assim tão inseguros… mas em comparação com baterias de eletrólitos líquidos… esse tipo de baterias é perigoso. Mas na nossa tecnologia não usamos líquidos.
Confia nas baterias da Tesla?
Está tudo bem, mas é muito caro (garantir a segurança dessas baterias) e exige um grande carro.
Não acredita nas baterias dos carros elétricos?
Não acredito que as atuais baterias de iões de lítio sejam o futuro. Mas terão de ser as baterias em estado sólido (a fazer o futuro). Por várias razões: ciclo de vida, carregamentos rápidos, segurança… A bateria que armazena a energia para pôr um carro a andar também pode ser usada para armazenar energia do sol, dos rios, ou da rede elétrica… é algo que nos permite dispensar a energia baseada em emissões de carbono.
Se cada casa tiver uma fonte de energia renovável, já não precisamos mais da rede elétrica!
A energia do sol pode variar muito. Vai ser preciso encontrar forma de coletar essa energia através de superfícies muito grandes e transformá-la em energia elétrica, para depois a a armazenar num local central.
Ainda trabalha como cientista?
Sim. Tenho alguém muito inteligente a trabalhar comigo.
A humildade é importante para um cientista?
Claro. Os homens orgulhosos são como… o (Donald) Trump!