Os indicadores de actividade mais recentes têm sido consistentes com um cenário de soft landing na economia global, i.e. de uma desaceleração, mas sem recessão. Para este quadro contribui a persistência de taxas de desemprego baixas, a expectativa de descida da inflação, a existência de poupanças excedentárias em suporte do consumo das famílias e uma evolução favorável dos resultados das empresas e dos bancos, que apresentam balanços relativamente fortes. Nos EUA, tem ganho peso a ideia de que, mais do que um soft landing, a economia poderá até não “aterrar” de todo. Os números mais recentes mostram uma criação de emprego relativamente robusta e uma taxa de desemprego baixa. As vendas a retalho aceleraram em termos homólogos, sugerindo um consumo privado forte. E a inflação homóloga subiu nos últimos dois meses, para registos acima do esperado e acima das metas (3.5% em Março). Neste contexto, o mercado tem vindo a adiar e atenuar as expectativas de redução dos juros de referência pelo Fed, começando mesmo a desconfiar se existirá alguma redução em 2024 (em meados de Abril, o mercado antecipava a 100% apenas um corte este ano).
Por seu lado, o BCE sinalizou, na mais recente reunião do Conselho de Governadores, um provável corte dos juros de referência em Junho. Esta sinalização assenta na leitura de que a inflação da Zona Euro continua a recuar, sobretudo nas componentes da alimentação e dos bens (em Março, a inflação homóloga recuou para 2.4%). O BCE vê também a maioria dos indicadores de inflação subjacente a cair, dada a moderação do crescimento dos salários e o facto de as empresas estarem, agora, a absorver parte do aumento dos custos unitários do trabalho. Por fim, a autoridade monetária considera que as subidas anteriores dos juros estão a pressionar em baixa a procura (e.g. crédito às empresas e às famílias com crescimentos próximos de zero). Apenas a inflação nos serviços é vista como ainda elevada. Neste contexto, o BCE afirmou que “se a nossa avaliação do outlook para a inflação, a dinâmica da inflação subjacente e a força dos mecanismos de transmissão reforçarem a convicção de que a inflação está convergir para a meta de forma sustentada, tornar-se-ia apropriado aliviar a actual restritividade da política monetária”. O mercado vê o BCE a cortar os juros por três vezes este ano.
A expectativa de alívio da restritividade monetária pelo BCE levanta, contudo, alguns potenciais problemas. Esta divergência de expectativas entre o Fed e o BCE favorece a depreciação do euro (a divisa europeia perdeu já quase 4% face ao dólar desde o início de 2024). E esta depreciação tende a alimentar pressões inflacionistas na Zona Euro, sobretudo no contexto de subida do preço do petróleo (dados os actuais riscos geopolíticos). Uma divisa mais fraca torna as importações mais caras e alimenta a inflação. E a inflação gerada por via da depreciação cambial tende, historicamente, a ser mais persistente do que a gerada, por exemplo, por choques da oferta. Isto poderia vir a criar um problema para o BCE. A Presidente Lagarde defendeu já que o BCE não é Fed dependent, devendo ter em conta a inflação e a conjuntura da Zona Euro, que são diferentes das observadas nos EUA. Mas ela referiu também que, nas suas decisões, o BCE tem em conta a conjuntura global. Será difícil ver uma divergência significativa e prolongada das políticas monetárias do BCE e do Fed. Algo terá que ceder.