Os desafios mais prementes que atualmente se colocam a diversos setores de atividade são os que estão relacionados com o incremento da produtividade, numa busca incessante, e cada vez mais exigente, por eficiência operacional e, consequentemente, financeira. Nos últimos tempos, a estes objetivos, junta-se ainda a necessidade de garantir a sustentabilidade, ou seja, segundo a BCSD Portugal, “a capacidade de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas”. Não basta que a evolução seja economicamente viável, mas é imperioso que seja ambientalmente correta e socialmente justa. Naturalmente, a indústria é um destes grandes exemplos.
Durante a 4.ª revolução industrial, o foco estava fundamentalmente no já referido aumento da produtividade por via da digitalização dos processos. Aqui, os objetivos passavam por conhecer com detalhe o que se passava no “chão de fábrica”, e nos processos a montante e jusante dos procedimentos de fabricação, nomeadamente no esforço (manual ou automático) que era exigido em cada subprocesso e na quantidade de materiais e pessoas que aí intervinham. Com esta informação, aliada a alguma analítica de dados, poder-se-iam identificar oportunidades de otimização visando um processo contínuo de melhoria da produtividade. Descrito desta forma, pode parecer um caminho fácil, mas quem está no terreno sabe bem as dificuldades e resistências que se encontram nesta abordagem.
O tecido industrial português estará, em muitos casos, caracterizado pela ideia de que continuar a fazer o mesmo, da mesma forma é garantia de obter o mesmo resultado que já foi sinónimo de sucesso. De facto, tudo isso seria verdade, se a concorrência não fosse já global e se o time-to-market na implementação de novas soluções não fosse cada vez mais reduzido. Quem estiver parado no tempo, obtendo os mesmos resultados de há dois, três ou quatro anos atrás, não está a garantir o sucesso do passado, mas a hipotecar a sua continuidade no mercado. A digitalização dos processos industriais, tendo em vista uma otimização contínua, já não é um nice-to-have, que possa estar limitada a um pequeno processo. Tem de chegar aos pequenos detalhes e sair da sala da contabilidade e dos RH. Tem de estar junto de cada funcionário, de cada máquina e de cada processo ao longo da toda a cadeia de fornecimento e produção.
Para além disso, as grandes industrias estão já em estágios de maturidade mais avançados, ao incorporarem outro tipo de inovações tecnológicas, como é o caso da inteligência artificial, big data, cloud computing, IoT, etc., que lhes permitem, para além de conhecer com detalhe o que se passa no seu sistema de produção, saberem como podem antecipar e/ou simular cenários relativos à produção, consumo ou esforço humano/material, adaptando-se com maior rapidez e flexibilidade a alterações ou imprevistos, chegando inclusive a identificar sinergias ainda não exploradas, ou possuir algum nível de autonomia na reação ou ativação dessas modificações.
Já existem diversos exemplos de sistemas que, com base na análise do histórico do comportamento de um recurso (ex.: uma máquina, matéria-prima, produto intermédio, processo, etc.), consegue aferir quando, como e onde se prevê que falhe, onde estão a consumir mais, qual a quantidade matéria-prima necessária, onde e quando se pode “poupar” em termos de performance produtiva, ativando automaticamente essa melhoria ao processo. Trata-se da automatização dos mecanismos de melhoria contínua, alicerçados numa grande capacidade de correlação de variáveis que advêm do conhecimento adquirido dos próprios processos, aliado ao conhecimento do seu ambiente global (ex.: clientes, fornecedores, vias de transporte, meteorologia, etc.). Este tipo de análise, conclusões e alterações ao processo poderiam consumir muito tempo e recursos para serem alcançados e detetados “manualmente” (i.e. sem a ajuda de computação) pelo que estas empresas estão já com os seus processos de digitalização num patamar mais elevado, colocando enorme pressão na concorrência.
Todas as empresas são agora desafiadas a incorporar práticas ambientais, sociais e de governance (ESG) para alcançarem um desenvolvimento sustentável. Trata-se assim de uma metodologia específica para avaliar a performance de uma empresa em relação a esses três pilares e que as empresas estão a ser paulatinamente obrigadas a incorporar nos seus processos e na sua estratégia. Neste momento, existem já diretivas europeias, algumas delas já transportadas para a lei portuguesa, que obrigam as empresas ao reporting (i.e. evidência) da implementação destas práticas. Adicionalmente, os próprios consumidores já começam a revelar-se sérios “auditores” destas medidas, ao manifestarem preferência pelos produtos das empresas com maior evidência nos domínios ESG.
Torna-se claro que estamos perante novas necessidades para a indústria e, consequentemente, um novo domínio da digitalização: criar mecanismos de identificação das poupanças (ou pelo menos, não desperdícios) de energia e materiais, um maior nível de automatização e planeamento inteligente que garanta a competitividade sem dano para os direitos dos trabalhadores, uma garantia da rastreabilidade do produto final e da supply chain garantindo que identificamos e controlamos todas as entidades terceiras envolvidas, assegurar que se incorporam na estratégia da empresa processos e materiais baseados em energias renováveis e com mínimo impacto na biodiversidade ambiental, etc..
Com tudo isto, já não sabemos em rigor qual a versão da “indústria” que vigora: se a 4.ª, a 5.ª ou até mesmo a 6.ª, mas já temos a certeza de que é vital continuar a melhorar a forma como produzimos e que a digitalização é uma condição necessária, embora não suficiente, para enfrentar os desafios atuais e garantir o sucesso futuro da indústria portuguesa. Está na hora de abraçar essa transformação e impulsionar o setor em direção a um futuro mais sustentável e eficiente.