As reações públicas ao Plano de Reposta à Inflação apresentado pelo Governo, chamado de “Famílias Primeiro”, têm sido muitas e inflamadas. Reconheço que este plano, tal como todos os que têm sido apresentados pela Europa, traz consigo uma equação difícil: como ajudar as pessoas a não empobrecer com a inflação, sabendo que quanto mais dinheiro entregarmos às famílias mais a inflação subirá? Eu sou dos que me posiciono na opção de redução direta de impostos como forma de alívio da nossa pesadíssima carga fiscal. A entrega direta de dinheiro às famílias traz consigo uma lógica de dependência do Estado e, por conseguinte, não cria as condições para uma alteração duradoura na vida das pessoas. É verdade que a opção de não entregar dinheiro no imediato às famílias e optar pelo alívio fiscal acarretaria custos políticos futuros, na medida em que a maioria dos portugueses prefere ter uma resposta que sinta hoje o seu benefício, além do Governo também saber que no curto prazo iria voltar a subir impostos e não quer ter esse fardo no seu curriculum de governação. Este medo do julgamento popular tem feito com que muitas políticas implementadas ao longo dos tempos anos não tragam alterações reais e estejamos ano-após-ano a dizer que “não saímos da cepa torta”.
A possibilidade de se governar nestas condições é dada pelos eleitores. Felizmente não vivemos num sistema em que nos impõem os líderes. Por isso também nós nos devemos responsabilizar pela avaliação dos governos, contudo não me parece que não exista essa cultura política de auto-avaliação sobre os mandatos políticos que confiámos.
O que mais me impressiona neste tema do Plano “Famílias Primeiro” não é tanto se veio tarde e sem ambição, se os 125€ são uma resposta eficaz, se o facto do Estado ter arrecado mais de 5 mil milhões por impacto direto da inflação e agora estar a distribuir 2,4 mil milhões é proporcional, ou não. A mim o que me impressiona é a forma ardilosa como se apresentam propostas de atuação, tentando passar uma mensagem de grande esforço para dar uma resposta de emergência quando na realidade os impactos destas, em alguns casos, são nulos ou próximos de nulos na vida das pessoas. Isto acontece porque há pouca literacia financeira e pouco tempo de antena para se discutir o que são as medidas estruturais. De onde vem realmente o aumento da inflação? É apenas consequência da guerra? É resultado do pós-confinamento? As políticas monetárias dos últimos 10-15 anos não têm qualquer responsabilidade? Quem as avalia? Quem sabe discuti-las? Como seria bom ter debates, em linguagem não académica, que nos ajudassem a perceber o que estamos a viver e como se evitam situações semelhantes… Se depois da “Rússia – Ucrânia” surgir outro conflito entre países com esta importância na nossa economia, então estamos a condenados a passar pelo mesmo?
Com este texto apenas quero trazer uma outra perspetiva ao debate. Considero pertinente a discussão sobre as pensões, a redução do IVA ser apenas para a parte dos 13%, a exclusão dos estudantes e deslocados destas medidas, os tetos ao aumento das rendas, etc. Mas pensemos hoje, de forma crítica e construtiva, nas decisões que tomamos de forma que daqui a outros 10 anos não estejamos a escrever novamente, “mas porque não saímos da cepa torta?”.
Da minha parte acredito que a reversão deste caminho passa por 3 eixos:
1) Educar para uma compreensão generalizada sobre temas económicos: porque têm de ser tão aborrecidos os debates nestas áreas? A Economia não é uma ciência exata e por isso é muito interessante ouvir, pensar e discutir várias perspetivas;
2) Construir uma cultura crítica democrática: sem fanatismo e com liberdade para avaliar a nossas escolhas e as dos outros;
3) Cultivar o sentido de responsabilidade inter-geracional nas decisões que impactam com o futuro do país: o que é bom para mim hoje pode não ser o melhor para o conjunto no futuro. Isto carece de um horizonte que nos ultrapassa.
Acredito que Portugal não está condenado a apresentar gráficos sucessivos de aumento da dívida, de saldos negativos ou colecionar rankings do fim da tabela. Portugal não é uma entidade abstrata. É sim um território habitado por pessoas capazes de feitos extraordinários e, também neste capítulo, podemos superar-nos.