A dívida americana é vista como uma das maiores referências nos mercados financeiros e é a mais negociada a nível global. No entanto, nos últimos anos, as sucessivas crises e impasses políticos na maior economia do mundo têm deixado pequenas mossas na qualidade de crédito dos EUA. Em 2011, as incertezas relacionadas com as negociações para os aumentos do teto da dívida levaram a Standard & Poor’s a deixar de ter o rating máximo para a dívida dos EUA, baixando a classificação em um nível, de AAA para AA-.
Mais de uma década depois, foi a vez da Fitch fazer o mesmo e, entre as maiores agências de rating, apenas a Moody’s e a DBRS mantêm a nota máxima. A decisão daquela agência causou algumas dúvidas.“É um bocado estranho que se tenha cortado o rating dos EUA numa altura em que a economia aparenta estar a caminho de realizar o truque aparentemente impossível de trazer a inflação para a meta sem desencadear uma recessão”, comentaram os economistas da Capital Economics numa nota a que a EXAME teve acesso. Já Mohamed El-Erian, conselheiro económico da Allianz, disse, citado pela Bloomberg, que estava “intrigado” com o timing do anúncio.
Do lado do governo dos EUA, a decisão foi alvo de críticas. A secretária de Estado do Tesouro, Janet Yellen, considerou o core de rating como “arbitrário” e “desatualizado”, já que Washington conseguiu resolver em junho a crise do teto da dívida, algo que foi essencial para que o Estado americano conseguisse assegurar os seus compromissos financeiros e de despesa. Mas quais os argumentos da Fitch para baixar a classificação dos EUA?
Desgaste no modelo de governação
Um dos motivos para o corte de rating é semelhante ao que levou a S&P a baixar a classificação em 2011: uma deterioração na qualidade de governação das instituições americanas. A nota da Fitch refere “tem havido uma deterioração constante nos padrões de governação ao longo dos últimos 20 anos, incluindo em matérias orçamentais e relacionadas com a dívida”. Apesar de Democratas e Republicanos terem conseguido arrancar mais um acordo difícil para aumentar o teto da dívida – que irá durar até janeiro de 2025 – a Fitch considera que “os repetidos impasses e acordos de última hora erodiram a confiança na gestão orçamental”. Além disso, a agência de notação financeira entende que, contrariamente a outros países com rating máximo, os EUA não têm um processo orçamental muito complexo e precisam de um modelo de médio prazo mais eficiente.
Aumento do défice orçamental
A Fitch mostra também alguma preocupação com o aumento do défice do governo dos EUA. “Esperamos que o défice aumente de 3,7% em 2022 para 6,3% do PIB em 2023, refletindo receitas federais ciclicamente mais fracas, novas iniciativas no lado da despesa e um fardo mais alto com juros”, salienta a agência. Os analistas da Fitch preveem que o défice continua a subir, para 6,6% em 2024 e para 6,9% em 2025. E referem que, comparando com outros países com rating de AAA ou de AA, os EUA têm um maior rácio entre o pagamento de juros e a receita que obtém. A Ficth estima que, em 2025, esse indicador suba para 10%, ou seja, por cada 100 dólares de receita os EUA irão gastar dez dólares em juros. Os países com rating máximo apresentam, em média, um rácio de 1%.
Subida do endividamento
Após a pandemia, os EUA conseguiram reduzir o peso da dívida pública em relação ao PIB. Ainda assim, a Fitch considera que o rácio de 112,9% previsto para este ano ainda está acima dos níveis pré-pandémicos. Além disso, a agência prevê novas subidas nos próximos anos, até atingir 118,4% do PIB em 2025. E refere: “O rácio de dívida é duas vezes e meia mais alto que a mediana de 39,3% dos países com AAA”. A Fitch considera que isso irá aumentar a “vulnerabilidade da posição orçamental dos EUA face a futuros choques económicos”.