Há poucos acontecimentos mais assustadores do que um desastre nuclear. Após o acidente de Fukushima, em 2011, o governo alemão acelerou o encerramento de centrais, eliminando metade da produção nuclear do país. A medida é compreensível. A memória de Chernobyl ainda está viva e os Verdes, que têm no antinuclear uma bandeira, ganharam peso político. No entanto, a decisão parece ter tido consequências inesperadas. Um novo estudo, publicado em dezembro pelo NBER, estima que esse encerramento gradual levou a uma maior utilização de carvão para a produção de energia, o que terá sido responsável por 1.100 mortes adicionais por ano. Quase o mesmo número daquelas que morreram no desastre nuclear japonês.
“O custo social da mudança do nuclear para o carvão é de cerca de 12 mil milhões de dólares ao ano. Mais de 70% deste valor vem do aumento do risco de mortalidade associado à exposição da atmosfera local à poluição emitida pela queima de combustíveis fósseis”, pode ler-se no estudo assinado por Stephen Jarvis, Olivier Deschenes e Akshaya Jha. “Mesmo as estimativas mais altas para a redução de custos associados com o risco de acidente nuclear e eliminação de resíduos devido ao processo de encerramento são muito mais baixas do que 12 mil milhões de dólares.”
Os académicos concluem também que o processo resultou em subidas “substanciais” do preço da eletricidade paga pelos consumidores. Um dado curioso, tendo em conta que 8 em cada 10 alemães concorda com este encerramento faseado. Os germânicos deverão terminar todas as operações nucleares em 2022. É uma oportunidade perdida para a transição energética?
O estudo surge dois meses depois de um outro paper ter olhado para a realidade japonesa. A lógica é a mesma e os resultados não são muito diferentes. Perante a interrupção de atividade de todas as centrais do país, a substituição do nuclear por combustíveis fósseis provocou um agravamento dos preços, o que levou a uma descida do consumo e, por arrasto, a um aumento da mortalidade durante o período mais frio. Também neste caso, a dimensão do impacto é surpreendente.
“Estimamos que o aumento da mortalidade que resultou de eletricidade mais cara foi superior à mortalidade do acidente [na central nuclear de Fukushima], o que sugere que a decisão de interromper a produção nuclear contribuiu para mais mortes do que o acidente”, escrevem Matthew J. Neidell, Shinshuke Uchida e Marcella Veronesi. A sua conclusão: “a aplicação do princípio da precaução fez mais mal do que bem.”
Além da subida dos preços, o paper aponta também para efeitos negativos relacionados com degradação da qualidade do ar, o que significa que os custos podem ser ainda mais elevados do que estas estimativas sugerem. “A energia nuclear tem um impacto mínimo na qualidade do ar. Os combustíveis fósseis, por outro lado, emitem vários poluentes que a prejudicam e têm efeitos significativos na morbidade e mortalidade.”
Decisões irracionais?
Estas conclusões levam-nos a perguntar: se os efeitos negativos são tão grandes, o que leva os governos a abandonarem o nuclear? Os autores do primeiro estudo tentam responder a essa questão, concluindo que a incerteza que os cidadãos sentem em relação à energia nuclear pode empurrar os decisores políticos para soluções com mais custos sociais, mas menos visíveis e mais estáveis. Ainda assim, as contas dos académicos mostram que, se a justificação for apenas a redução dos riscos, “os responsáveis políticos teriam de exibir uma aversão ao risco extremamente elevada para serem capazes de racionalizar o encerramento faseado”.
Claro que nós não olhamos para estas coisas de fora puramente racional. A destruição de um reator nuclear é um evento muito improvável, mas também altamente visível e chocante, e as mortes que provoca podem ser-lhe atribuídas diretamente. Por outro lado, o aumento da mortalidade gerado por um agravamento da poluição é um conceito mais abstrato. Os efeitos podem sentir-se muitos anos mais tarde e não conseguimos dizer que a pessoa X morreu devido às emissões da fábrica Y.
Os alemães preocupam-se com o ambiente, mas não querem energia nuclear. 60% quer livrar-se dela o mais rápido possível. Uma aversão que muitos consideram “paranóica”. “Os responsáveis políticos por todo o mundo enfrentam um trade-off complicado”, referem os autores. “Por um lado, muitos especialistas em alterações climáticas defendem que a energia nuclear fará necessariamente parte do afastamento dos combustíveis fósseis [e] muitos eleitores estão dispostos a assumir custos elevados para reduzir o risco das mudanças climáticas. Contudo, muitos desses mesmos eleitores não estão disponíveis para apoiar a energia nuclear, devido aos receios associados a acidentes nucleares e à eliminação de resíduos.”
Os japoneses têm, aparentemente, uma opinião semelhante. Embora desde o acidente 9 dos 54 reatores nucleares do Japão já tenham regressado à atividade (com outros 12 em consideração), o movimento antinuclear só parece ter crescido. “O sentimento dos japoneses mudou desde Fukushima e continua até hoje”, diz Hajime Matsukubo, secretário-geral do Centro de Informação Nuclear para o Cidadãos, à Al Jazeera. Quando se pergunta aos japoneses se eles querem um regresso ao nuclear, “eles dizem que não”.
Perante a dependência do país de da importação de petróleo e gás natural, o primeiro-ministro Shinzo Abe já avisou que a economia japonesa “não pode prescindir” da energia nuclear.
No entanto, para além dos cálculos emocionais já referidos, o funcionamento e manutenção de centrais nucleares pode “roubar” recursos que poderiam ser utilizados para apostar em energias renováveis mais seguras. Pelo menos é esse é o argumento dos Verdes, na Alemanha. Como sublinha o eurodeputado Sven Giegold:
“O nuclear e as renováveis são substitutos, não complementos e, sem nos livrarmos do nuclear, as renováveis nunca alcançarão o seu potencial. É difícil de prever o fluxo energético que vem das renováveis. Mas, se houver um dia soalheiro na Alemanha e toda a energia de que precisamos vier do solar, não é fácil controlar [a atividade de] uma central nuclear. Não é tão simples como ligar ou desligar um botão. Ao mesmo tempo, manter a aposta no nuclear implica desligar mais vezes as centrais renováveis [onde a energia pode não ser tão fácil de armazenar].”
Citado pelo Financial Times, o político alemão, também notou que Berlim começa a beneficiar do seu investimento em renováveis, apontando a redução de 7% das emissões de CO2 em 2019 e o facto de 46% da produção de energia já ser gerada por fontes “limpas”. “A Alemanha é um país rico, podemos pagar o investimento rápido em tecnologia renovável. Consigo perceber o argumento para manter uma central nuclear aberta durante mais tempo num país mais pobre, mas esse não é o nosso caso.”
A Alemanha vive num conflito interno: uma população sensível a temas ambientais e vontade de liderar internacionalmente neste campo, assente numa economia altamente dependente de combustíveis fósseis e com a indústria automóvel como espinha dorsal. É uma das áreas onde o legado de Angela Merkel é provavelmente mais frágil.
No Japão, já se vive um paradoxo: o governo está a gastar tanto dinheiro no reforço da segurança das centrais nucleares, que o argumento de que é uma “fonte de energia barata” pode estar a perder força.
As conclusões destes estudos estão a ser utilizadas para criticar o princípio da precaução e nalguns casos um eventual excesso de regulação. Talvez isso seja ir demasiado longe, mas são bons avisos para os responsáveis políticos: nem todas as soluções que soam bem são as melhores.