Visão de um outro futuro possível, fora da ordem estabelecida; necessidade económica, diante da falta de alternativas interessantes; observação de oportunidades latentes, que mais ninguém percebeu; insubordinação à velha figura da autoridade, em organigramas assente em posições de poder; vontade de fazer as coisas acontecerem de maneira distinta, melhor do que aquela que é apresentada. Diante destas características, estaria eu a falar de uma banda de (espírito) punk, uma startup ou uma PME singular?
Esta analogia é potencialmente incendiária e sensível, mas o facto é que me deparei com este tema durante um divertido paradoxo pessoal, transformado ao longo das décadas a partir das experiências aplicadas e estudadas sobre estes dois conceitos.
Passo a explicar: a minha trajetória ligada ao do-it-yourself (DYI) tem a ver com a cultura punk, alternativa, underground que vivi e moldou boa parte da minha visão de mundo nos anos 1990. E que é uma derivação da acepção técnica moderna deste conceito – galvanizado ao longo da primeira metade do século 20 enquanto opção sócio-econômica e comportamental das pessoas para, digamos assim a título de simplificação, construir e realizar coisas pelas próprias mãos.
No meu caso aplicado de 30 anos atrás, este construir e realizar tinha a ver com um statement de contestação perante o estado do mundo e das coisas, com uma crença ética de que era possível fazer as coisas de outra forma. E eu estava a pensar apenas na causa e na consequência daquilo que me movia: no movimento social de insubordinação DIY, e menos no resultado econômico. Disso surge o meu envolvimento com a música, a moda de segunda mão, a literatura de fanzines enquanto ferramenta para outras formas de fazer. E isso despoletava novas ideias, que por sua vez necessitavam de recursos para serem realizadas. Isso levou-me à promoção de concertos e festas que arrecadavam os fundos necessários para realizar o próximo projeto: a edição de um livro, a gravação de demo tapes e álbuns musicais… E isso gerava resultados. De repente, parecia ser possível sustentar uma visão crítica do mundo e, ao mesmo tempo, gerar alguma riqueza numa determinada escala.
O que nos leva ao ponto deste artigo. O leitor poderá dizer: “mas ser DYI já não significa ser empreendedor”? Sem dúvida, mas não necessariamente – e é por isso que estes conceitos e práticas podem estar tão longe quanto tão perto um do outro.
Num contexto que tenha a gestão e as finanças enquanto ponto de partida, um empreendedor está invariavelmente associado, nas definições mais comumente aceites, a situações de maior risco para o lançamento e crescimento de um negócio, a uma orientação evidente à escala e à geração de lucro, a um antever claro das pessoas e dos recursos necessários para o seu arranque inicial e futuro e a um olhar inteligente na identificação de oportunidades para a criação de valor percebido (infelizmente, nem sempre a antever as suas consequências – tema para outro artigo). Tudo isso pode ocorrer, ou não, alimentado por um olhar de transformação, insubordinação, de crenças que ultrapassam a ordem estabelecida na sociedade ou… num segmento econômico.
Já num contexto que conta com um olhar ideológico (?) DIY enquanto ponto de partida, as causas e consequências originalmente envolvidas são outras, e a ideia de escala e resultado vem a seguir, como se de uma ordem invertida se tratasse – esta é a minha vivência e a experiência empírica e de observação, acumulada ao longo dos anos. É por isso que tanto um empreendedor social quanto um intraempreendedor são, possivelmente, os melhores exemplos aplicados do DYI comportamental sob uma lógica organizacional: estas pessoas atuam para a mudança a partir de dentro do sistema. São, portanto, pessoas sujeitas a muitas perdas e ganhos ao assumirem uma postura crítica genuína, mas hands-on, para a transformação.
E não vamos aqui definir o que é melhor ou pior. Como diz o atemporal Peter Drucker, numa tradução livre, “a inovação é a função específica do espírito empreendedor”. Se esta vai ser utilizada para gerar riqueza, para afirmar uma visão diferente perante a ordem estabelecida, ou as duas coisas, caberá a cada pessoa e ao seu contexto decidir.