A economia cresce acima das expectativas – até do Governo – o mercado de trabalho está dinâmico, a população ativa tem aumentado, a inflação (ainda que elevada) começa a ceder, e os salários vão acompanhando, pelo menos, em termos médios. A verdade é que os números da economia têm surpreendido, para agrado dos dirigentes e relativa indiferença das famílias. Afinal, porque não se reflete o dinamismo da economia nacional na vida dos portugueses? “Há sinais conjunturais positivos, mas depois, epidermicamente, sentimos que a economia não está bem”, sintetiza a administradora do Banco de Portugal, Francisca Guedes Oliveira.
Esta foi a pergunta de partida para um painel sobre o presente e o futuro da economia portuguesa, num encontro que juntou mulheres de vários quadrantes da economia e da sociedade, na segunda edição da conferência anual da Girl Talk, uma iniciativa criada pela EXAME para dar destaque às mulheres e promover o networking no feminino.
No discurso da administradora do Banco de Portugal, a chave está em “conjuntural”. Aí, diz, estamos bem. “Mas depois temos problemas estruturais profundos que se traduzem numa base pouco sólida”. À cabeça, a pobreza e a desigualdade. Avanços existem, nomeadamente nos níveis de desigualdade, mas num movimento de compressão das bases, onde o salário mínimo se vai aproximando da remuneração média, sem que esta descole. “Em Portugal, o salário mínimo representa 70% do salário médio. Em França, representa 50%. Somos, de facto, um país pobre”.
Ora, a constatação ajuda a explicar o porquê de, “epidermicamente”, sentirmos que não estamos bem. Cátia Batista, professora associada de Economia na NOVA SBE, nota o efeito assimétrico da inflação. “A inflação afeta sempre os mais pobres, que usam todo o seu rendimento disponível”. E esta foi especialmente penalizadora para os rendimentos mais baixos, ao se concentrar, principalmente, em bens básicos, como a alimentação e a energia. Já a classe média foi especialmente afetada pelos efeitos da política monetária, com a subida das taxas de juro refletidas nos maiores encargos com a habitação. Mas não só. “Muitas pessoas da classe média preferem usar parte do rendimento em serviços privados, como a educação ou a saúde. O rendimento é superior, mas têm muito onde o gastar, porque os serviços públicos não respondem”.
E aqui voltamos à urgência das respostas estruturais, que estão longe de se cingir ao setor público, segundo Cátia Batista: “Mais de 90% das nossas empresas são PME. São necessárias políticas que promovam a produtividade, o emprego e salários mais altos. Cerca de 80% das empresas são lideradas por pessoas que não têm qualificações superiores ou de gestão. Algo deveria ser feito neste campo. Sem pensamento estratégico é difícil construir planos de negócio que atraiam investimento. O PRR podia fornecer recursos para a formação dos empresários”.
Francisca Guedes de Oliveira partilha do diagnóstico: o problema da produtividade, ou da falta dela, radica na qualidade da gestão em Portugal e na governança, para o qual defende a necessidade de acordos de longo-prazo que permitam atacar um problema que “não se resolve em quatro anos”. A tudo isto há ainda que somar os desafios da demografia, que carecem de políticas coordenadas de natalidade e de imigração. Os desafios são muitos, resta saber se permitem olhar para o futuro da economia portuguesa com esperança. Pontos positivos a destacar? “No curto prazo há imensos. Conjunturalmente, o sentimento é positivo”. A resposta da responsável do Banco de Portugal deixa no ar um sentimento de ‘poucochinho’, de um país que continua a navegar à vista, hábil no diagnóstico, mas incapaz de agir com ambição e método.