Economia a contrair, inflação a acelerar e desemprego estabilizado. Foi uma manhã intensa em publicação de indicadores económicos, que parecem sugerir que Portugal e a Europa estão mais próximas daquilo a que se chama “estagflação”. No entanto, os números mostram também alguns desenvolvimentos mais promissores.
O indicador mais importante foi a publicação da variação do produto interno bruto (PIB), revelando uma quebra em cadeia de 0,2%. “Comparando com o 1º trimestre de 2022, o PIB diminuiu 0,2% em volume, após um crescimento em cadeia de 2,5% no trimestre anterior, em resultado do contributo negativo da procura interna para a variação do PIB. Em sentido contrário, o contributo positivo da procura externa líquida aumentou, refletindo o crescimento em cadeia mais acentuado das Exportações de Bens e Serviços que o das Importações de Bens e Serviços”, escreve o INE. Isto é, a conjugação do consumo e do investimento caiu ligeiramente face ao arranque do ano, enquanto as exportações aumentaram mais do que as importações, provavelmente influenciadas pela recuperação forte do turismo.
Este é um dos piores desempenhos de toda a Europa. Apenas Letónia e Lituânia registaram contrações em cadeia do seu PIB neste período de três meses. Na média da zona euro, a economia avançou 0,7%. Um resultado que surpreendeu os analistas.
O PIB estagnou na Alemanha, mas teve avanços significativos nos outros três gigantes: França, Itália e Espanha. O crescimento total de 0,7% “foi muito melhor do que o consenso [de estimativas] e da nossa própria previsão (ambos +0,2%) e trouxe a economia para 1,5% acima do nível pré-pandémico”, escreve Andrew Kenningham, economista-chefe para a Europa do Capital Economics, justificando o bom resultado com a reabertura de serviços, ainda a recuperar da pandemia.
Os números de crescimento trazem também desenvolvimentos positivos para Portugal. Quando fazemos a comparação com o mesmo trimestre de 2021, o PIB nacional deu um salto de 6,9%. Esse não só é o melhor resultado entre todos os países para os quais temos dados, como fica ainda bastante acima da estimativa do Ministério das Finanças para a totalidade do ano (4,8%) e até da estimativa mais otimista de instituições internacionais (6,5%, da Comissão Europeia). Recorde-se que este resultado surge após o PIB ter dado um salto homólogo de 11,8% no primeiro trimestre (devido à comparação com um terrível arranque de 2021).
O INE explica que, embora com um contributo menor, o consumo e o investimento continuaram a dar um contributo positivo para a atividade económica, enquanto a procura externa até ajudou mais do que no trimestre anterior.
O BPI escreve que estes resultados estão “em linha com os efeitos de base associados ao desconfinamento gradual da economia após o lockdown severo do início de 2021”, acrescentando que “os indicadores disponíveis para o terceiro trimestre são ainda escassos, mas parecem apontar para um segundo semestre de enorme incerteza”, apontando uma deterioração do sentimento económico, mas também perspetivas de uma segunda metade do ano forte para o turismo. Mantém uma previsão de crescimento de 6,6% para a totalidade do ano, embora alerte para a existência riscos descendentes.
No resto da Europa, o Capital Economics espera que os efeitos de recuperação da pandemia se esbatam na segunda metade do ano. Os indicadores avançados mostram que a confiança dos indicadores está a afundar e que as empresas enfrentam mais dificuldades. “Antecipamos que o triplo aperto de inflação elevada, condições monetárias mais restritivas e crise energética empurra a economia para uma recessão no final deste ano”, lê-se na sua reação aos números.
Escalada dos preços continua
Enquanto a economia perde gás, os preços continuam a acelerar. Os números da inflação para julho mostram um salto de 9,1% face ao ano passado, um salto face aos 8,7% de junho. É o valor mais elevado desde novembro de 1992, empurrado pela explosão de 31,2% dos preços dos produtos energéticos e de 13,2% dos bens alimentares. Isto significa que a inflação média do ano está em 4,7%, superando já a previsão do Governo para a totalidade de 2022.
O Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), que permite comparações com o resto da Europa mostra que Portugal está acima da média da zona euro (9,1% vs 8,9%), mas que se situa na metade inferior da tabela, entre os países menos pressionados pela subida dos preços. As variações mais expressivas pertencem aos países bálticos, todos eles acima de 20%, enquanto os aumentos mais baixos vêm de França e Finlândia, com 6,5% e 6,8%, respetivamente.
Os números da inflação trazem também uma espécie de luz ao fundo do túnel, sugerindo que o ciclo de agravamento pode estar a terminar. É que, embora os preços tenham continuado a crescer face a 2021, eles recuaram muito ligeiramente em comparação com o mês anterior. Veremos se a tendência se acentua nos meses seguintes.
O BPI diz que essa variação negativa se esperava, fruto de um contributo sazonal do vestuário para esta quebra e de um arrefecimento dos preços da energia devido à “redução das tarifas no mercado regulado da eletricidade em junho”. “O contexto é de incerteza e a recente redução de fornecimento de gás da Rússia pelo Nord Stream 1 para 20% da capacidade máxima é bem exemplo disso, colocando pressão nos preços da energia como um todo”, acrescenta, lembrando que a sua previsão para a média do ano é 7,1%. “Apesar do início da normalização da política monetária pelo BCE, os próximos meses, com a recuperação do setor turístico, deverá também colocar pressão em algumas componentes do cabaz de preços nacional”, acrescenta o departamento de research do banco.
Ligeira subida do desemprego
Por último, esta manhã foram também conhecidos os números do mercado de trabalho para junho, mostrando um novo ligeiro agravamento da taxa de desemprego ajustada à sazonalidade, de 6% para 6,1%, depois de já ter aumentado face aos 5,9% de abril.
Esta subida coincide com uma diminuição da população empregada (-16,7 mil pessoas) no último mês. A taxa de subutilização do trabalho – por vezes chamado “desemprego real”, juntando desencorajados, subempregados e outros com ligações frágeis ao mercado de trabalho – também subiu 0,1 pontos, para 11,6%.
Tudo somado, os dados do INE sugerem que o mercado de trabalho português está essencialmente estabilizado. Se olharmos para os números não ajustados à sazonalidade, que não tomam em conta que o verão tende a ser mais positivo para o mercado de trabalho, a quebra do emprego é bastante mais modesta e a taxa de desemprego não mexe em junho, depois de até ter recuado de 5,9% para 5,8% em maio.
Pode ser necessário esperar mais alguns meses de normalização da economia para perceber o rumo do emprego em Portugal.