A taxa de desemprego na Europa desceu para 7% no final do ano passado, o número mais baixo de sempre. O valor está a refletir a falta de mão-de-obra de que as empresas se têm queixado um pouco por todo o mundo. No setor das tecnologias, onde já não era fácil contratar na última década, a falta de oferta de talento tem-se tornado ainda mais óbvia.
Uma empresa alemã da área seguradora, a Deutsche Familienversicherung, decidiu arriscar numa estratégia de contratação bastante fora do comum para tentar colmatar esta dificuldade: oferece €500 a quem estiver disponível para ir a uma entrevista de emprego, mais €1000 a quem passar à segunda fase do processo e €5000 a quem completar seis meses de experiência na vaga à qual estava a concorrer. A história, contada pelo Financial Times, é reflexo do relativo desespero em que se encontram as empresas para conseguir mão-de-obra qualificada. “Competimos com gigantes como a Allianz, que conseguem facilmente contratar pessoas em redor do globo”, referiu o fundador da Deutsche Familienversicherung, Stefan Koll, ao FT. “Mas nós não estamos interessados em contratar pessoas na Índia, queremos pessoas aqui em Frankfurt!”.
Em Portugal, os setores mais penalizados com a falta de mão-de- obra – ou pelo menos os mais vocais em relação a isso – têm sido os da hospitalidade, construção e, claro, tecnologias. Até porque muitas empresas deste último setor têm estado a perder pessoas para companhias internacionais, que navegando a onda do trabalho remoto conseguem funcionários altamente qualificados que precisam menos para viver do que se viverem nos EUA, na Alemanha ou na Suécia.
O mercado de trabalho – que sofreu uma queda histórica graças à pandemia, ao Grande Confinamento e às medidas de combate à Covid-19 – viveu nos últimos dois anos alterações significativas e enfrentou demissões em massa, sobretudo nos EUA, mas também em várias economias europeias – no entanto, tem ainda uma última cartada para jogar, que pode ser útil para acomodar o tumulto: os €800 mil milhões que a União Europeia aprovou para que os Estados-membros se consigam recuperar dos impactos da pandemia. Os Planos de Recuperação e Resiliência incluem apoios específicos a emprego jovem e à digitalização, mas os países têm de ser inteligentes a usar o dinheiro para fazer alterações estruturais que façam a diferença a médio e longo prazos.
Para os especialistas, os próximos tempos serão uma oportunidade única para as economias perceberem que tipo de ecossistema laboral querem para o futuro. Com os Estados com os bolsos mais cheios e as empresas mais dispostas a gastar dinheiro, países como Espanha ou Itália – ou Portugal – têm agora a oportunidade de correr atrás do prejuízo dos últimos anos: aumentar qualificações, aumentar salários e garantir um mercado focado na qualidade ao invés de na quantidade, como tem acontecido até agora.
Em França, por exemplo, o número de contratos de trabalho por tempo indeterminado e com condições mais dignas tem aumentado substancialmente, substituindo os empregos precários a que muitos estavam sujeitos, recorda o FT. E o facto de o setor da hospitalidade ter conseguido negociar um aumento genérico médio de 16% nos salários é ainda um bom indicador.
Em Itália, a comuna de Roma já anunciou a criação de mais de 260 mil creches, ao longo dos próximos quatro anos. O país vai usar €26 mil milhões para aumentar a participação feminina e dos mais jovens no mercado de trabalho – as mulheres têm estado particularmente reticentes em voltar, depois de dois anos em que sentiram um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.
São sinais claros de que há mudanças a acontecer. “Os hábitos são difíceis de alterar”, referia recentemente Almuth McDowall, professor de psicologia organizacional da Universidade Birkbeck à BBC. “Todos nós aproveitamos formas mais inovadoras e eficientes de fazer nosso trabalho”, justificava. O especialista não acredita, por exemplo, que o regresso ao escritório como o conhecemos – aquele que tínhamos em 2019 – vá voltar a ser uma realidade e deixa um alerta aos líderes: o poder, agora, está mesmo na mão dos trabalhadores. Porque as empresas que não permitirem o trabalho remoto ou pelo menos disponibilizem a adoção de um modelo híbrido e que não paguem o que se acha justo, vão ver os seus talentos e potenciais novos trabalhadores a migrar para empresas que permitam mais flexibilidade e melhores condições. Mesmo que estejam sedeadas noutros países.
Como se sobem salários?
Nos EUA, o modelo económico permite que os trabalhadores já estejam a conseguir aumentar os seus rendimentos por via destes movimentos de demissão em massa – a chamada ‘Great Resignation’ – e potenciado pela falta de oferta em alguns setores. Houve muitos movimentos migratórios internos, o que também está a ajudar a redesenhar o mapa do trabalho naquele país. Na Europa, esse movimento há-de ser um pouco mais lento, mas a verdade é que a baixa taxa de desemprego, mesmo entre os mais jovens, há-de acabar por dar os seus frutos, acreditam os especialistas.
Na Girl Talk deste mês, Ana Teresa Lehman, economista e antiga Secretária de Estado da Indústria, afirmava que as novas gerações serão, possivelmente, as grandes responsáveis pelas mudanças mais estruturais a que vamos assistir no mercado de trabalho – sobretudo porque a sua atitude perante as empresas mudou. Os mais novos já não perguntam o que podem dar à empresa, mas exigem saber o que elas podem fazer por si. E conscientes de que o ciclo da vida agora não é feito por três momentos estáticos – estudar, trabalhar, reformar-se – querem também melhores condições de vida durante a idade ativa.
Valorizam não apenas o salário mas uma série de benefícios que, outrora, não passaria pela cabeça de ninguém exigir: flexibilidade de horário, possibilidade de trabalho remoto, serviços de bem-estar, autonomia… E o facto de serem também uma das gerações com mais educação formal, sobretudo em Portugal, dá-lhes uma vantagem competitiva: o seu mercado de trabalho é o mundo e se não encontrarem aqui o que desejam, emigram em condições muito diferentes daquelas que os seus pais ou avós tinham quando as primeiras vagas de emigração nacionais aconteceram.
Em 2020 saíram do País mais de 25 mil pessoas, segundo dados da Pordata, um valor abaixo do registado no pico da última crise financeira (53 700 pessoas em 2013), mas que ninguém sabe exatamente como evoluirá no decorrer dos próximos anos. Irá depender, sobretudo, da capacidade do mercado de trabalho em requalificar e absorver os talentos.