Entrevista publicada originalmente na edição 428, de dezembro de 2019, da EXAME
O que faria diferente se criasse a Outsystems hoje?
Havia muitos erros com os quais não teria perdido tanto tempo. Uma coisa típica é o facto de uma empresa, quando é criada, poder concentrar-se no menor número possível de variações. Como, por exemplo, focar-se num país grande. Talvez seja isso o mais importante. E é contextual a Portugal, porque como é um mercado muito pequenino, esgota-se muito rapidamente e antes de as empresas atingirem escala.
Imaginava ter uma empresa desta dimensão?
Sim. Quando criei a Outsystems queria criar uma empresa que valesse mil milhões de dólares. Era esse o meu objetivo. Pomos sempre estes objetivos, mas não tinha prazo. Eu achava que tudo ia acontecer mais rápido. E, à medida que não ia acontecendo, fomos reajustando os objetivos. Quando já estávamos conformados com o facto de não ir acontecer, acabou por acontecer e tornámo-nos muito grandes outra vez [risos]. Quer dizer, não estávamos conformados, mas não estávamos angustiados. Todas as empresas que crescem em níveis exponenciais precisam de cavalgar uma onda qualquer. Por exemplo, Silicon Valley consegue criar estas ondas muito rapidamente: tem as redes, o dinheiro, a facilidade, o ecossistema… A onda em que estávamos a apostar demorou bastante mais tempo e, de repente, apareceu uma que era relevante e que aproveitámos. Mas é sempre assim. Não há grandes milagres.
Trabalho e uma onda?
Trabalho e o mercado estar pronto. Haver uma dor que se torna relativamente comum, de modo que o mercado esteja preparado para comprar aquela solução ou serviço.
Quando criou a Outsystems, praticamente não se falava de IT.
O que não havia era ecossistema. E ainda não existe. Agora, é uma coisa sexy e emocionalmente positiva. Não havia startups, havia empresários. Eu tive conversas em que tinha de defender o facto de estar a fazer isto. Enfim… Não são coisas muito relevantes, mas havia um bocadinho falta de contexto. Nós sempre tivemos um preconceito em que confundimos a desigualdade social e a sombra do capitalismo com o facto de as pessoas criarem empresas, o que, em alguns círculos, ainda é uma coisa malvista. E eu não consigo perceber o facto de vilificar pessoas que criam empregos. Na altura em que começámos, havia mesmo um preconceito em relação ao empresário: Era ‘empresário igual a capitalista; capitalista igual a explorador dos trabalhadores’. Percebe-se um bocadinho, porque vínhamos de um contexto muito pobre e de muita desigualdade social. Não se percebe tanto quando as pessoas a quem damos empregos têm salários bons…
Podemos considerar isso uma característica portuguesa?
Não acho que tenha que ver com os portugueses, tem que ver com o facto de os portugueses estarem num país pequeno. E com a falta de exemplos e de contacto. A partir do momento em que as empresas olharem para o mercado português da mesma forma como os israelitas olham para o mercado deles, que é como uma fonte de engenharia… com a diferença de que o mercado israelita é o norte-americano, na verdade. E algumas empresas portuguesas já começam a pensar assim, em que o seu mercado inicial é global. A partir daí, desenvolvem uma sensibilidade para a escala. Isto não se consegue fazer quando se vende para o mercado português, porque ele não precisa de escala. Há poucas transações.
Há pouco dizia que ainda não temos um ecossistema…
Temos um ecossistema maior do que o que tínhamos, mas há uma parte fundamental – que é uma geração de pessoas que já fez coisas e que já se reformou e está a ajudar os outros – que ainda não temos. Temos ainda tudo ativo. E acho que é uma grande coisa que nos falta. Quem está no ativo pode ajudar, mas são pessoas que estão a liderar grandes grupos e trabalham 140% do tempo. É um trabalho extremamente extenuante e deixa muito pouco tempo para fazer outra coisa. E se não for assim, dificilmente se tem sucesso. Estamos sempre a aprender, porque isto está sempre a mudar, e ficamos com pouco tempo para funcionar como mentores e afins. É que depois também a diferença é tão abissal que o mentor tem de fazer um esforço imenso para se tentar lembrar de como era o início de um processo de uma empresa. Mas vamos ajudando, temos conversas de uma ou duas horas…
Pede-se ajuda?
Sim, pede-se. E dá-se[risos]. Mas ainda não temos isso a um nível como no Valley, não é? Onde existem profissões para isso – board member, coach… pessoas que, em troca de ações, fazem esse trabalho. Isso é super valioso e evita uma quantidade de erros óbvios. Um empreendedor tem de ter uma mistura engraçada de ego e humildade. E quando se tem pouca experiência é muito difícil conseguir perceber que se está errado, porque não se tem experiência. E, portanto, é difícil perceberem quando dizemos “isso não vai funcionar”. Mas isso faz parte do processo de aprendizagem. E resolve-se com volume: quando houver muitos mentores, faz-se uma média do que dizem os mentores e é mais fácil perceber o que pode funcionar [risos].
Quanto tempo vamos demorar até ter esse ecossistema?
Não faço ideia. Nunca pensei muito nisso. Depende muito da necessidade, creio. Um board member em Silicon Valley pertence, no máximo, a seis boards. Nós também não temos muitas startups e já estamos a esgotar a fonte de engenharia. Sempre tivemos poucos engenheiros, mas agora temos ainda menos. E continuam a achar que isto é outro sítio onde podemos meter grandes centros, mas já há empresas que estão a fazer aquilo que se faz noutros lugares, que é deslocalizar centros…
Têm essa dificuldade aqui na OutSytems?
Nós temos alguma facilidade, porque temos uma cultura diferente, temos a marca… e estamos sempre a fazer coisas engraçadas; é interessante em termos de carreira. Mas sempre nos digladiámos por engenheiros. As pessoas boas valem muito. Conseguir uma pessoa boa é o melhor investimento que uma empresa destas pode fazer. As pessoas muito boas fazem mesmo a diferença numa empresa. E é engraçado, porque, às vezes, pessoas que são medianas noutros sítios vêm para a OutSystems e tornam-se extraordinárias. É uma questão de contexto. Nós criamos pessoas muito, muito boas, e depois florescem neste tipo de contexto.
A questão da cultura empresarial foi óbvia para si?
É engraçado, porque acho que fizemos as coisas bem, desde o início, mas quase por intuição. Não pensámos muito sobre isso. Quando escrevemos o livro das regras, fizemo-lo com o que já acontecia aqui… havia muita gente nova a entrar, havia uma cultura estabelecida, e criar uma narrativa fácil de consumir permitia às pessoas novas perceber a linguagem que se utilizava. Depois, acabou por ser um documento de marketing interessante , mas não foi criado por isso. É preciso gostar das pessoas e ter um respeito profundo pelo intelecto de cada um.
Chegou aos mil milhões de dólares. E agora?
Sem ser muito filosófico: na categoria em que estamos, as estimativas apontam para um mercado de 25 biliões de dólares. Mas, como sempre, olhamos para os mercados de um ponto de vista bastante único; na realidade, o nosso mercado é bem maior do que isso. Agora, é tentar perceber como conseguiremos crescer bastante mais rápido do que aquilo que já estamos. O desafio, nesta altura para a empresa, é descobrir como conseguimos criar mecanismos de escala que aguentem crescimentos ainda maiores. Um mercado grande é um mercado de mil milhões ou de 5 mil milhões. Quando estamos a falar de 25 a 100 mil milhões, a quota de mercado é tão pequenina que o desafio é como escalar isto em assíntota.
Isso é um desafio para os próximos 20 anos?
Não acredito que demoremos 20 anos [risos]. Tivemos um período de 12 anos com crescimentos interessantes, mas pequeninos para este mercado das tecnológicas. Mas, agora, estamos no meio deste crescimento mais interessante.
A OutSystems está preparada para sobreviver sem si?
Sim, acho que sim. Devido precisamente a esta cultura que trabalhámos.
E o Paulo Rosado está preparado para sobreviver sem a OutSystems?
Sim, claro [risos]. Eu sou um trabalhador como os outros. E outra pessoa que venha para aqui, possivelmente, fará um trabalho melhor do que eu. Tudo isto é efémero.