Nas últimas semanas, desde o início da pandemia do novo coronavírus, as doações chinesas a Portugal ultrapassaram os dois milhões de equipamentos, entre máscaras, luvas, viseiras, fatos e óculos de proteção. Ventiladores foram mais de cem. As contas são do embaixador da República Popular da China (RPC) em Lisboa. Num artigo de opinião publicado esta segunda-feira, 27 de abril, no jornal Público, Cai Run sublinha a relação “amiga” entre Portugal e a China, enquanto fala de “um número muito reduzido de países [que] questionou a autenticidade dos números e factos comunicados pela China” sobre a evolução da pandemia que teve o seu primeiro epicentro na cidade de Wuhan, naquele país.
“As doações chinesas a Portugal para combater a covid-19 incluem 1,012 milhões de máscaras cirúrgicas, 255 mil máscaras N95, 603,5 mil pares de luvas de uso médico, 120 mil viseiras de proteção, 37.450 fatos de proteção, 13.500 óculos de proteção, 5.000 kits de teste de ácido nucleico, mais de cem ventiladores e dez sistemas de vídeo, entre outros equipamentos médicos,” escreve o embaixador. No total, cerca de dois milhões de equipamentos entregues. E Cai Run garante que as autoridades oficiais, as empresas e a comunidade chinesas vão continuar as doações e a facilitar a compra de mais material na China.
Entre as empresas portuguesas que publicamente anunciaram doações ao País nas últimas semanas estão a Fosun (dona da Fidelidade e da Luz Saúde, além de acionista do BCP), a China Three Gorges (e a EDP, de quem é acionista), a imobiliária Reformosa ou a tecnológica Tencent, a que se junta ainda a comunidade chinesa em Portugal ou a empresária Ming Chu Hsu. O País tem também sido cliente da China na compra de material para combater a pandemia. Ainda em março, por exemplo, encomendou mais de 500 ventiladores àquele país, além de milhões de máscaras e kits de teste.
Há duas semanas, só 65 dos 508 ventiladores encomendados tinham chegado a Portugal. E alguns deles, como reconheceu o Governo, com botões e indicadores em mandarim. Há um mês, Espanha devolveu testes rápidos comprados à China devido à sua baixa fiabilidade e o Reino Unido reportou recentemente problemas semelhantes.
No artigo de opinião, o diplomata frisa as circunstâncias em que a China está a vender e a doar material a Portugal. “No aperto do perigo, conhece-se o amigo,” escreve Cai Run, que garante ainda que não há nenhum interesse escondido nesta ajuda: “A nação chinesa é uma nação que sempre retribui a bondade. Nunca ficamos de braços cruzados perante as dificuldades dos amigos, nem esconderemos nenhum interesse egoísta por detrás da ajuda,” afirma o representante de um dos países cujo investimento em Portugal mais cresceu durante o período de crise da Troika.
Num contraste com o que tem acontecido com outros países – como os Estados Unidos, a França ou o Reino Unido (que questionaram recentemente a versão dos factos de Pequim) -, o embaixador sublinha ainda a relação luso-chinesa. “A China jamais esquecerá de que a parte portuguesa apreciou positivamente os esforços feitos pela China na resposta à pandemia, e que a parte portuguesa afirmou o reconhecimento da cooperação desenvolvida pela parte chinesa,” acrescenta. Pelo contrário, “um número muito reduzido de países questionou a autenticidade dos factos e números comunicados pela China, e manchou o grande contributo dado pela China”, afirma Cai Run. Sem nomear países, acusa-os de tentarem “fugir à sua própria responsabilidade e transferi-la através da difamação dos outros.”
“Acreditamos firmemente que o Partido Comunista Chinês não reportou o surto do novo coronavírus de forma atempada à Organização Mundial da Saúde,” disse no final da semana passada o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo , acusando ainda Pequim de não ter partilhado toda a informação que tinha nem a amostra do vírus com a comunidade científica internacional. Na semana anterior, o presidente francês, Emmanuel Macron, tinha sugerido falta de transparência por parte da China, numa entrevista ao Financial Times, numa comparação com outros países onde a informação flui livremente e os cidadãos podem questionar a ação das autoridades: “Dadas essas diferenças, as escolhas feitas e o que a China é hoje – que eu respeito – não sejamos ingénuos ao ponto de dizer que [a China] tem sido muito melhor a lidar com isso. (…) Não sabemos. Claramente, aconteceram coisas que não sabemos.”
O surto epidémico do novo coronavírus teve um primeiro epicentro na cidade chinesa de Wuhan tendo os casos iniciais sido detetados nos últimos dias do ano passado. Segundo os números mais recentes da Universidade Johns Hopkins, a pandemia já infetou quase 3 milhões de pessoas em todo o mundo e matou mais de 200 mil. Em Portugal, de acordo com os dados mais recentes divulgados pela Direção-geral da Saúde (respeitantes ao período até às 24:00 deste domingo), infetou 24.027 pessoas, tendo registado 928 vítimas mortais. Mais de mil – 1357 – recuperaram.