“Défice comercial” é uma expressão que Donald Trump gostaria de eliminar do vocabulário dos Estados Unidos da América, mas a verdade é que tem sido essa a natureza da relação entre Lisboa e Washington nos últimos anos. Desde 2001 que as empresas portuguesas vendem mais mercadorias às norte-americanas do que o contrário. No ano passado, as exportações para os EUA foram mesmo uma das principais responsáveis pelo ressurgimento em força do comércio externo nacional.
Em 2017, Portugal vendeu aos EUA cerca de €2,8 mil milhões em bens, tendo nesse mesmo período comprado menos de mil milhões. O resultado é um excedente comercial de 1,8 mil milhões para o lado português.
Mas nem sempre foi assim. Entre 1974 e 1996, os EUA venderam sempre mais a Portugal do que compraram. A inversão desta situação coincidiu com a entrada em cena do euro. A partir de 2001, isso nunca mais voltou a acontecer. Enquanto as importações dos EUA têm estado relativamente estabilizadas desde 2002, as exportações têm aumentado sucessivamente (apesar da forte travagem sentida durante os piores anos da crise financeira internacional).
O ano passado trouxe um recorde de vendas para os EUA. Aliás, o aumento das exportações para o outro lado do Atlântico foi um dos principais responsáveis por o comércio internacional voltar a ser um dos motores de crescimento da economia, registando o maior crescimento em seis anos. A venda de bens pelas empresas portuguesas aumentou mais de 10% em 2017 – mais €5 mil milhões – e o reforço das exportações para os EUA foi responsável por cerca de 7,5% desse crescimento. Apenas quatro países podem reclamar uma quota-parte maior dessa variação (Espanha, França, Alemanha e Brasil).
De onde veio o crescimento? Os dados do INE mostram que a venda de combustíveis está por detrás deste maior dinamismo. Cerca de 38% do crescimento das vendas para os EUA veio dessa categoria de bens. Recorde-se que, embora não produza petróleo, Portugal importa a matéria-prima para a refinar e depois vender o combustível resultante para consumo interno e exportações.
A mercadoria tem ganho relevância no comércio externo português, impulsionada pela expansão das refinarias da Galp. Contudo, é também caracterizada por uma grande volatilidade. A flutuação do preço da matéria-prima nos mercados financeiros é decisiva para a receita que permite arrecadar. Depois de uma queda profunda entre 2013 e 2016, o preço do petróleo voltou a aumentar, especialmente a partir de meados do ano passado, tendo-se aproximado dos 70 dólares.
Ainda assim, seria um erro justificar o aumento das exportações para os Estados Unidos da América apenas com a venda de combustíveis. Os metais comuns, por exemplo, avançaram num só ano 103%, enquanto os instrumentos e aparelhos dispararam mais de 150% (a categoria inclui relojoaria, instrumentos de medida e contadores).
Nem sempre foram esses os produtos a destacarem-se. “A estrutura das exportações portuguesas para os EUA sofreu, nas duas últimas décadas, alterações substanciais”, sublinha a AICEP na sua análise ao mercado norte-americano. Nos anos 90, os produtos mais vendidos eram o calçado, a roupa de cama, a cortiça, os moldes, os tecidos e os vinhos. Em 2016, os cinco produtos com mais peso eram: combustíveis, medicamentos, papel e cartão, pneus e bens de cortiça.
Do lado das importações, os grandes grupos de produtos são máquinas e aparelhos, produtos minerais e automóveis, e outro material de transporte. Uma análise mais detalhada, feita pela AICEP em relação a 2016, apontava que as principais compras portuguesas distribuíram-se por veículos aéreos, turborreatores e turbopropulsores, soja, gás de petróleo e partes de automóveis.
Chiu… Não avisem a Casa Branca
Tal como na vertente de mercadorias, do lado dos serviços as vendas dos portugueses aos americanos também têm suplantado as compras. Tudo somado (bens e serviços), essa “vantagem” das exportações traduz-se num excedente comercial em máximos. Isto se a análise for feita da perspetiva portuguesa. Para os norte-americanos a relação comercial com Portugal é pintada a vermelho. “Nos últimos cinco anos, a balança comercial de bens e serviços entre Portugal e os EUA tem sido amplamente favorável ao nosso país. O crescimento médio anual das exportações, no período 2012-2016, foi de 6,1%, enquanto as importações aumentaram, em média, 4,8%”, nota a AICEP.
Um retrato ao qual Donald Trump não deve achar muita piada. Ao longo da campanha presidencial, e já na Casa Branca, sempre que o assunto tem vindo à baila o Presidente norte-americano faz questão de sublinhar o seu desdém pelos défices comerciais dos EUA com outros países. Esta Administração considera que os termos comerciais são injustos e tem usado isso como justificação para renegociar acordos comerciais (ou matá-los ainda antes de nascerem, como foi o caso do TTIP com a Europa).
Claro que Portugal é uma pequena formiga em comparação com o enorme elefante no centro das rotas comerciais: a China tem um excedente comercial com os EUA próximo dos €180 mil milhões.
O excedente português representa apenas 0,01% deste valor. “[A relação comercial] entre a China e os EUA não tem sido leal, já que, como é bem sabido, os EUA têm um défice comercial anual enorme face à China, um número para lá do que qualquer pessoa pode compreender”, afirmou Trump, durante uma visita à China.
Os desenvolvimentos comerciais recentes não deverão deixar o Presidente dos EUA mais descansado. Em 2017, o défice comercial norte-americano agravou-se mais de 12%, ascendendo agora a perto de €450 mil milhões. Pequim é a principal fonte de alimentação, mas Portugal também deu uma ajuda.