As Conferências do Estoril nasceram em 2009 e são uma iniciativa internacional bianual da responsabilidade da Câmara Municipal de Cascais. Contam com a colaboração de vários parceiros nacionais e internacionais do meio académico, institucional e empresarial e, ao serem ponto de encontro de algumas das mais conceituadas individualidades, organizações internacionais, universidades, centros de investigação e desenvolvimento, think tanks e organizações não-governamentais, também afirmam Cascais e Portugal no mundo.
Refletir e impulsionar o agir são os grandes propósitos por detrás de cada edição que também inclui a atribuição de dois prémios: o Estoril Global Issues Distinguished Book Prize, no valor de 10 mil euros, dados à melhor publicação original sobre o tema das Conferências, e o Estoril Local Answers Award, no valor de 10 mil euros, concedido ao projeto que melhor represente uma “Resposta Local” para um “Desafio Global”.
Desafios Globais, Respostas Locais foi precisamente o tema das Conferências do Estoril de 20-22 de Maio de 2015.
Educação e o seu futuro
Precedidas por uma Cimeira da Juventude, as conferências tiveram este ano uma forte participação juvenil, com quem se conversou sobre o futuro da educação e o desenvolvimento da juventude. Longe certamente vai o tempo em que as escolas e as salas de aula eram fundamentalmente espaços onde os professores se ouviam em silêncio e o passar de ano se traduzia por uma fiel devolução ao professor da matéria coberta.
Ainda que sem mulheres presentes e muito confinados à experiência ocidental, dez peritos serviram para sobretudo descrever as profundas transformações ocorridas nas instituições de ensino provocadas pelo acesso e uso de novas tecnologias no espaço da escola. As tecnologias desencadearam uma maior democratização da educação e fizeram ruir as distâncias no acesso aos conteúdos educativos.
As escolas são hoje espaços com menor número de quadros pretos ou brancos, tendo passado a ser lugares de interatividade entre alunos, pais e outros agentes que se têm cada vez mais por facilitadores que professores ou encarregados da educação. Os conteúdos programáticos também deixaram de ser irrelevantes para serem os que servem como resposta aos problemas que vão surgindo dentro das organizações e empresas – conteúdos que cada vez mais se procuram, constroem, adaptam e utilizam por grupos de trabalho específicos.
O futuro da educação é visto na resposta aos mais variados desafios e por isso ela não é mais do que o exercício que visa treinar a mente a pensar, reconciliando opostos, dilemas, onde a paixão se tem por anterior às competências, a inovação se faz sem o medo dos erros, e os líderes aprendem a reconhecer as suas incompetências para se poderem fazer rodear das pessoas certas que os ajudem a liderar.
Todo este caminho recupera uma certa e ancestral ideia de espiritualidade, num crítico exercício do pensamento sobre si mesmo e num melhoramento do género humano na realização da justiça.
Desigualdade: economia verde e azul
A intervenção de Gunter Pauli, autor do livro Economia Azul, surpreendeu e encantou. Mesmo assim, too good to be true, como alguém diria no final, desconfiando, quem sabe, da verdade dos factos ou da receita. Por razões de interesse económico, ou até de inveja ou ciúme, a verdade é que Gunter, orgulhoso dos seus mais de 200 projetos, entre eles o papel de pedra, ainda não conseguiu convencer o Ocidente Europeu a investir seriamente da sua Economia Azul, que retém muito mais barata e amiga do ambiente que a Economia dita Verde – que não se cansa de denunciar e contestar, ao opor a inovação, a criação de postos de trabalho e a competição à despesa, às taxas e aos subsídios.
Gunter critica a burocracia europeia, as comissões de estudos, as análises intermináveis das propostas e a demora das respostas e tem na proibição de folhas Excel e planos financeiros a afirmação do que julga ser muito mais importante: nunca deixar de pensar na procura de soluções. Think again é o que Gunter nunca se cansa de propor a quem vive a inovação e a realização de ideias sem recurso a qualquer tipo de subsídio.
A intervenção de Gunter surgia no seguimento de um primeiro momento dedicado às desigualdades e sua resolução. E o que esta poderia indicar é que as desigualdades geradas pela Economia Verde encontrariam solução na Economia Azul. Gunter não explicou se o Azul da sua economia também era gerador de melhores e mais saudáveis seres humanos, ou de seres ética e moralmente mais justos. Há quem hoje conteste a competição pela sua desumanização e sugira, no seu lugar, a “coopetição”, mas também aqui, a competição azul de Gunter, promovida entre empresas do mesmo grupo, pretende distanciar-se da competição verde.
A reflexão sobre desigualdades, no contexto atual de uma economia dita neoliberal, ao referir que a pobreza mata, gera doença mental, empurra para as mais variadas adições, também sustentou que é urgente uma atuação local, que a educação com novos conteúdos e outros professores é chave para um mundo menos pobre e desigual. O exemplo da Bolsa Família levado a cabo no Brasil, no apoio à educação dos filhos de famílias economicamente carenciadas, tem tido resultados muito positivos. O problema, porém, continua a residir na qualidade do ensino e nos seus conteúdos.
Emerge como fundamental, no combate à desigualdade, a autoconfiança, a mentoria e o empreendedorismo social, numa sala onde também se apontava que estudos sobre empreendedorismo social revelavam o quão este é gerador de precaridade.
Por outro lado, a reflexão também sustentava que os gastos com a doença mental não devem ser vistos como despesa mas como investimento. Não deixa de ser de facto preocupante conhecer que a maioria dos reclusos nos Estados Unidos sofrem de doença mental, e que as prisões, por esta razão, se tornaram verdadeiros hospitais psiquiátricos; é curioso saber, neste seguimento, que 1 em cada 3 fumadores na Inglaterra seja doente mental.
O empobrecimento desencadeado pela crise de 2007-2008 agudizou sobretudo entre uma classe média em desaparecimento os mais variados desequilíbrios. Sustem-se que a austeridade não resolve as desigualdades, que a deslocação de empresas para países de mão-de-obra mais barata está na génese desta crise tendo despoletado o desemprego e a quebra na produção. Neste alinhamento, Lord Robert Skidelsk advoga que sociedades desiguais tornam a economia instável, mas o que fazer para sair do momento atual permanece muito longe de ser uma descoberta e decisão consensual.
Religião e diálogo entre civilizações
A ideia de Estado Islâmico, o terrorismo à escala global, a persistente tensão entre Oriente e Ocidente não poderiam ser tópicos ausentes do programa das Conferências do Estoril de Maio deste ano dedicadas à globalização.
Francis Fukuyama, vencedor do Estoril Global Issues Distinguished Book Prize recordou que é a ausência do Estado está na génese da instabilidade socioeconómica e política de muitas regiões do globo e que a decadência das instituições políticas de muitas democracias se deve ao patrimonialismo, à corrupção nascente da satisfação de interesses próprios, partidários, e não do interesse público. Fukuyama não pareceu muito incomodado com o que de momento acontece na Síria, Iraque, Paquistão, Líbano até porque, no seu entender, sem raízes políticas profundas estas guerras hão de esgotar-se e cessar. Por outro lado, é a história que se repete. E ainda que alguém advogue que o século XXI será ainda mais violento que o século XX, o que Jean-Pierre Dupuis recomenda seriamente é que o abismo da destruição da humanidade, inaugurado e tornado real em Hiroshima e Nagasaki, se evite sempre e assim se adie infinitamente.
Convidados a conversar a necessidade de dialogar com outras civilizações e o papel das religiões neste processo de construção da paz mundial, D. Manuel Clemente, Sheikh David Munir e Abraham Skorka sublinharam sobretudo o património que une o Cristianismo, o Islão e o Judaísmo. Teria sido interessante aprofundar a frustração vivida pela grande maioria dos Estados Árabes apontada pelo Sheikh Munir como um dos principais fatores causais do radicalismo de pessoas que ainda que se digam muçulmanos não são, no entender do Sheikh, expressão do estilo de vida contido e proposto no Alcorão, e por isso os repudia. Dupuis, numa sua obra A Marca do Sagrado (sem tradução em português) refere, neste mesmo comprimento de onda, que a revolta e o terrorismo que se vestem hoje de roupagens muçulmanas residem na humilhação infligida pelos ocidentais.
Portugal foi uma vez mais apresentado como exemplo a seguir de diálogo entre diversas confissões religiosas, esquecendo-se, porém, que por cá ainda nada de extremamente relevante se tornou disputa entre estas várias forças, e que o passado português se enche de perseguições, de violência e morte, cada vez que terras, poder, interesses económicos e culturais se disputam.
A conversa de facto nada trouxe de novo, e o facto do Shiekh Munir ter dito que o Alcorão era o último testamento, depois do Antigo judaico e do Novo cristão, não foi sequer conscientemente ouvido, nem por qualquer Bahá’í que estivesse presente na plateia, de forma a poder ser eventualmente contestado.
Com frequência se ouve dizer no meio académico luso que alguém que defenda que a crítica ao pensamento moderno é também uma feroz crística aos monoteísmos religiosos, aos seus totalitarismos, permanece uma posição ahead of time por não lhe ser dada precisamente qualquer importância no encontro público de hierarquias religiosas. Talvez não tivesse sido aquele o momento de conversar as vulnerabilidades das confissões de cada um, e por isso, pela palavra de D. Manuel Clemente, se tivessem recordado, a detrimento da riqueza das diferenças, sobretudo pontos de encontro e causas que os unem no terreno, como a ecologia e os refugiados. Mas a verdade é que a questão levantada por Henrique Cymerman não conseguiu trazer à luz do dia a contingência, a finitude, o historicismo e o correlacionismo intrínsecos a cada um dos eventos inaugurais de cada monoteísmo e à tradição que deles nasce em fidelidade aos mesmos. Talvez a contradição da expansão da exclusão e do apoio a um particular poder político de que falava também D. Manuel Clemente tivessem encontrado aqui a sua clara e total ilegitimidade.