Na mesa ao lado imperava uma voz forte, impositiva, proclamatória. Estou a ler um livro, tento abstrair, mas a voz não desarma. E na torrente de palavras sem freio, petulantes, ouço uma frase com nitidez: “E não há quem dê uma pantufada no sueco, que o ponha no estaleiro por uns tempos!…”
Para quem não acompanhe a realidade nacional num dos seus mais omnipresentes domínios, a frase será incompreensível, misteriosa. “Dar uma pantufada”, num “sueco”, para o pôr no “estaleiro”, que raio é que isto quererá dizer? Porém, eu, português comum e não distraído, minimamente informado na matéria, embora não frequentador das horas e horas de paleio sobre futebol que inundam os media, compreendi: o sueco é Gyökeres, destacado jogador e melhor marcador do Sporting (líder isolado do campeonato), com dez golos em apenas seis jogos. Logo, aquele fulano, adepto de algum outro clube com pretensões ao título, o que propunha, admirado de ainda ninguém o ter feito, era que agredissem o dito Gyökeres, para ele não marcar mais golos.
Não sei se esta ausência de ação punitiva contra o sueco contribuiu para outra frase que ouvi com igual nitidez, até porque ao proferi-la o sujeito ainda alteou mais a voz e lhe deu um tom de afirmação solene: “Neste país não há uma coisa que se aproveite.” E como que a confirmá-lo, em tom irónico, acrescentou: “Mas vai ser aumentado o ordenado mínimo…”
Fechei o livro. E pensei que o que ouvira, na esplanada de um café de Lisboa, numa bela manhã de princípio de outono, pode explicar algumas coisas. Como, inclusive, certos resultados eleitorais, a votação de certo(s) partido(s).
… E AS “PANTUFADAS” NA POLÍTICA Salvo o devido respeito, guardadas todas as distâncias, e obviamente não implicando nenhuma violência física, para obter efetivos ou supostos ganhos no combate político-partidário por vezes não será usado uma espécie de método semelhante ao da preconizada “pantufada no sueco”? Quando se usa uma linguagem agressiva e se fazem acusações, com ou sem fundamento, de mentira, hipocrisia, desonestidade, etc., que se pretende, qual o resultado? E como é possível que, em maior ou menor grau, isso de alguma forma aconteça mesmo quando se procura, ou é suposto procurar, um entendimento para assegurar o que se considera interesse nacional – como é agora o caso da aprovação do Orçamento do Estado (OE)?
De facto, mesmo neste caso, as trocas de “galhardetes” ou acusações têm assumido contornos pouco recomendáveis para quem diz querer chegar a um acordo. E quem antes de tudo o deve querer, porque é quem propõe o OE e necessita de o ver aprovado para governar, é o Executivo e o partido que o sustenta. Mas, por outro lado, não será este mesmo partido o único que eventualmente desejará a não aprovação do OE e subsequentes eleições? – dado ser o único que se afigura ter garantido um aumento de votação nessas eleições, em especial pela conquista de anteriores votantes no Chega?
Além disto, todos falam em excesso, com proveito para os que vivem de paleios políticos semelhantes aos do futebol, com prejuízo para o tal acordo do interesse do País. Acordo para o qual creio que o Presidente também contribuiria mais se falasse menos, se a pressão que reconhece estar a fazer, como é seu direito e quiçá seu dever, não fosse feita em constantes declarações públicas, antes no discreto exercício eficaz da sua “magistratura de influência”.
HELENA ROSETA É uma das figuras singulares, com luz própria, da política e da intervenção cívica em Portugal nas últimas décadas. Foi uma verdadeira “estrela” no PPD/PSD (nunca vi alguém ser tão aplaudido num congresso), e continuou a sê-lo fora dele. Se mudou de sítio foi porque o sítio mudou, não ela – sempre igual a si própria, fiel aos mesmos princípios e valores.
Agora, acaba de editar um livro que constitui um excelente testemunho sobre uma das suas assinaláveis lutas de toda a vida: pelo direito das pessoas à habitação. E pela liberdade, de que é inseparável. Daí o título, Habitação & Liberdade. O livro tem algumas páginas memorialísticas, mas nesta vertente deseja-se e impõe-se muito mais da parte de Helena Roseta – que fez tanto e tem tanto que contar…
À MARGEM
Ao menos, “não” às armas
Quantas vezes o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, já foi ao Médio Oriente, quantas voltas ao mundo já deu, se não para alcançar a “paz”, que parece impossível mas em diversas ocasiões sugeriu ser viável e estar próxima, pelo menos para pôr termo à “matança de inocentes” ou carnificina por parte de Israel, após o bárbaro ataque do Hamas de outubro de 2023?
Quantas vezes Blinken e o Presidente Joe Biden afirmaram estar a fazer todos os esforços naquele sentido, afinal se mantendo ou piorando ainda a situação, que agora se está a estender/desenvolver também no Líbano? Face a tudo que tem ocorrido, o mínimo exigível aos EUA é deixarem de fornecer/vender armas a Israel de Netanyahu, o que já há muito deviam ter feito.
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