Há quem fale numa espécie de maldição para os socialistas; uma adversidade a que o Largo do Rato já se terá habituado e com a qual ainda não terá conseguido romper. Mitológico ou não, o segundo ano de um segundo mandato de socialistas no poder executivo arrisca a tornar-se uma espécie de barreira psicológica, que alguns politólogos e comentadores assinalam por estas horas, em que é expectável que a proposta de Orçamento do Estado de 2022 não passe no Parlamento.
Tendo tomado posse, para um primeiro mandato, a 26 de novembro de 2015, António Costa cumpriu um mandato até 2019 sem grandes agitações. Para uma certa acalmia na legislatura – que teve quase na reta final uma ameaça de demissão do primeiro-ministro devido à polémica dos professores – contribuiu o apoio das bancadas à esquerda do PS, com quem Costa assinou acordos de governação pedidos por Cavaco Silva.
Tendo ganho as legislativas de 6 outubro 2019, com 36,65%, com uma maioria relativa (108 deputados), o PS iniciou o seu segundo mandato logo depois, já sem os acordos de incidência parlamentar com o BE e o PCP, porque os comunistas rejeitaram repetir o formato de 2015 exigido pelo então Chefe de Estado, Cavaco Silva. Os bloquistas estavam dispostos a outra união de papel passado, mas nesse caso foi o PS que rejeitou tal possibilidade.
Agora, ao completar o segundo ano de mandato, Costa depara-se com a sina dos primeiros-ministros socialistas anteriores em São Bento, José Sócrates e António Guterres – excetuando o primeiro Governo Constitucional de Mário Soares, de 23 de julho de 1976 a 23 de janeiro de 1978, e os executivos em que o PS esteve coligado com o CDS (1978) e com o PSD (de junho de 1983 a novembro de 1985).
António Guterres, que conquistou a primeira maioria para o PS em 1995, precipitou a sua saída a meio do segundo mandato, em abril de 2002, depois de pedir a demissão em dezembro de 2001 – na senda das eleições autárquicas, em que o PS perdeu câmaras importantes (como Lisboa e Porto) e ficou atrás do PSD no número de autarquias ganhas. O agora secretário-geral das Nações Unidas não tinha conseguido alcançar em 1999 uma maioria absoluta, e a negociação dos Orçamentos do Estado mostrava-se mais complicada que agora – ainda que os tenha conseguido fazer aprovar com a ajuda do então centrista Daniel Campelo, no que ficou conhecido como o “orçamento do queijo limiano”.
José Sócrates deu a segunda maioria absoluta ao PS, em 2005, numas legislativas antecipadas pela demissão do social-democrata Pedro Santana Lopes. O homem que chegou a ser visto como reformista pelo então presidente da República, Cavaco Silva, não conseguiu repetir a votação na ida às urnas em 2009 – mesmo o PS tendo dado à Função Pública o maior aumento dos últimos oito anos.
O Governo de Sócrates haveria de apresentar demissão no segundo ano de gestão, após o quarto Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) ter chumbado no Parlamento, graças a uma concertação da direita e da esquerda contra aquele plano. O primeiro PEC tinha surgido no início de 2010, para fazer face à dívida pública, tendo se sucedido outros dois pacotes de medidas ainda nesse ano – em maio e setembro.
O primeiro-ministro de então foi a eleições, a 5 de junho de 2011, contra o líder do PSD, Passos Coelho, tendo este último vencido com 38,85% dos votos e ficado com 108 assentos no hemiciclo – os mesmos que agora o PS tem.
Conclusão
VERDADEIRO
Chegado ao sexto ano como primeiro-ministro, Costa vê como inevitável a dissolução da Assembleia da República e parece não conseguir quebrar um cenário de fim antecipado de uma segunda legislatura como aconteceu a José Sócrates e a António Guterres. Ainda que, ao contrário dos seus antecessores socialistas, o primeiro-ministro já vincou que não irá apresentar demissão do cargo. Sócrates demitiu-se ao sexto ano de gestão, após o chumbo do PEC, e Guterres já tinha feito o mesmo, mas devido ao desaire eleitoral nas eleições autárquicas. O primeiro-ministro irá recandidatar-se, tal como Sócrates fez em 2011 – sendo que este perdeu as eleições. Guterres saiu do Governo e quem o sucedeu, Ferro Rodrigues, não conseguiu vencer as legislativas de 2002.
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