Foram das primeiras a chegar ao Parque Eduardo VII, em Lisboa, ao início da tarde. O motivo de tal antecipação, aliás, traduziu-se nas cerca de 800 mil pessoas que estiveram ali, frente ao Papa Francisco, esta sexta-feira. E apesar do reforço de proteção contra a alta temperatura, que se abateu sobre o palco principal da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), como sombrinhas e pequenas ventoinhas portáteis, não conseguiram evitar que uma das jovens daquele grupo de peregrinas australianas entrasse num choro compulsivo, que levou quase uma hora a ser controlado, no pico da tarde.
Durante aquele tempo, em que Marco Santos, um dos operacionais do Regimento de Sapadores Bombeiros (RSB) de Lisboa colocados num dos muitos pontos de socorro no recinto (afastados cerca de 100 metros em si), tentava travar a ansiedade da jovem australiana, outros quantos peregrinos sucumbiam ao calor – ora com desidratação, ora com crises respiratórias – e a entorses, devido a escorregadelas na calçada.
Mas uma larga maioria, que precisou de emergência médica, traduziu o impacto do sol na encosta do Marques de Pombal com desorientação e ataques de pânico, de ansiedade.
Contudo, durante as horas em que a VISÃO acompanhou as equipas de mais de uma centena de operacionais do RSB, num dia que podia ensombrar o evento, até tendo em conta a moldura humana no Parque Eduardo VII, os incidentes com gravidade foram uma miragem.

Um dos casos ao qual Vasco Silva e Tiago Gomes, igualmente do RSB, tiveram de acorrer, enquanto Marcos Santos se mantinha ao lado da jovem australiana, foi de alguém a quem o aumento da temperatura parece ter apanhado numa fase adiantada da digestão, provocando-lhe calafrios e desconforto geral. Isto, ao contrário daquela peregrina do maior País da Oceania , que se percebeu, mais tarde, que pouco tinha comido, até chegar a esta colina da capital, e para quem a emoção, com o aproximar da chegada do Papa ali, foi o gatilho para o estado que demorou a ser controlado.

“Apesar dos avisos, da temperatura alta e da necessidade de beberem muita água, usarem protetor solar e protegerem-se do sol, estou surpreendida por muitos jovens não estarem a cumprir o que lhes foi pedido. Mas cá estaremos para os ajudar”, admitia Ana Macedo, um médica do Hospital de Castelo Branco, que se estreava num dos postos de saúde no Parque Eduardo VII, para ir render outro colega, enquanto um jovem era ajudado a controlar a sua respiração, tendo em conta uma eventual crise asmática.
Para esta clínica, que também dá aulas na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, é a primeira Jornada Mundial da Juventude (JMJ). “Eu sou de um tempo pré-JMJ e do Papa João Paulo II. Entretanto, estive noutro local como voluntária e hoje havia a possibilidade de ir para Belém, mas aqui, tendo em conta o programa, faria muito mais sentido a minha presença”, admitiria, não se alongando numa avaliação ao pontificado de Francisco.
“Achei importante a mensagem de ontem [em que o Papa chamou a atenção para os riscos das relações virtuais]. Os jovens estão cada vez mais alheados do mundo físico que os rodeia, porque vivem constantemente num mundo virtual”, diria, ainda, enquanto fechava a tenda médica de campanha, perto do palco.

Quanto mais se aproximava da chegada de Francisco ao recinto mais a multidão aumentava, em direção ao palco; sendo que, com tanta gente, alguns peregrinos queixavam-se da falta de referências para pontos de emergência médica.
Porém, todos os casos que a VISÃO acompanhou não exigiram, a quem necessitou de cuidados clínicos, ter esse sentido de orientação, porque centenas de voluntários tinham os olhos colocados nos peregrinos e ao primeiro sinal de alerta deslocavam-se (apenas um deles) a uma das tendas de campanha, de onde traziam uma das equipas do RSB, munidas com mochilas de emergência médica.

Segundo Marco Silva, subchefe do Regimento de Sapadores, “já se esperava que este cenário se pudesse verificar, esta sexta-feira”, até porque ontem, quinta-feira, estivera “tudo ainda muito calmo”.
“Estive cá ontem e houve muito menos pedidos. Hoje, com este calor, à mistura com pouca hidratação, pouca proteção do sol e cansaço – porque são muitos os dias em que estes jovens já cá estão -, não faltam casos”, apontou, não escondendo o orgulho de um pequeno vídeo, gravado com o telemóvel, do momento em que o Papa passou ali, em frente ao posto médico de emergência, e lhe acenou. “São momentos que nunca se esquecem”, reconheceu, quase num tom imperceptível, dado o som debitado a partir do palco, e os muitos cânticos que se cruzam na multidão.
Na verdade, no dia anterior, os problemas foram semelhantes, mas em menor número, além da queda numa árvore de um ramo de grande dimensões, no lado direito do palco-altar.
Tecnologia na luta contra a desidratação
Ao contrário dos outros dias anteriores, nesta sexta-feira, a corrida aos bebedouros instalados no recinto foi, incomparavelmente, maior. Assim, como a procura de uma nesga de sombra – que fez, com que muitos peregrinos ocupassem o arvoredo nas encostas laterais do Parque Eduardo VII.

De acordo com Tiago Lopes, comandante do RSB de Lisboa, apesar do número de ocorrências, nenhuma representou, ao longo destes dias, cuidados maiores. “Estamos a falar de casos de pânico, ataques de asma, também epilepsia, entorses e, alguns, de cansaço extremo”, disse, adiantando que “em causa está uma operação muito pesada, sob coordenação da ANEPC [Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil], onde o Regimento conta com 150 operacionais no terreno e 120 em prontidão, e que não desguarneceu a ação na capital, porque Lisboa não deixou de ter incêndios urbanos e outras ocorrências nestas dias a que é preciso acorrer”.
“Trata-se de uma operação logística de grande envergadura, que começou a ser preparada há quatro anos, e que permite aos nossos operacionais, que já esteve noutros grandes eventos, mas não tão grandes como este – tais como o Rock in Rio -, de adquirir uma experiência única”, defendeu, adiantado que as temperaturas altas vão permitir o uso de uma tecnologia única, que foi comprada para a Jornada Mundial da Juventude, já este sábado, quando abrir o recinto principal do evento, no Parque Tejo.
Em causa está um enorme robô que – apesar de se destinar ao combate a incêndios em túneis e outros recintos fechados com grande dimensão – consegue pulverizar uma elevada quantidade de água. “Não vai molhar as pessoas à força; trata-se de um sistema que irá criar uma espécie de nuvem de micro gotículas de água, que permitirão hidratar as pessoas, logo à entrada do Parque Tejo”, explicou.

Tendo em conta que, ao contrário do que acontece do lado de Lisboa, no Parque Tejo, onde os talhões estão arrelvados, em Loures “há uma considerável parte cujo o piso ou é arenoso ou em alcatrão”. “Iremos ajudar a atenuar o calor dos peregrinos que entrem pelo IC2 para essa área”, explicou Tiago Lopes, sobre uma área onde irá ficar a médica Ana Macedo a dar apoio. “Estou muito curiosa em saber quais as estruturas que foram criadas nessa zona mais afastada do palco, onde estará o Papa. Aliás, fui eu que pedi para ficar a dar apoio no talhão mais afastado, porque esta é a festa dos mais jovens e são eles que têm de ficar lá à frente”, frisou a clínica, quando a tenda onde estava não tinha mãos a medir com casos de peregrinos vítimas de golpes de calor.